estou desde há uns meses a imergir na escrita de uma peça de teatro, coisa que me atormentava não saber o que é nem como se faz. toda a escrita me foi sempre natural menos esta, que faz uso de didascálias como os corpos fazem uso de silêncio. escrevi ensaios, poemas, artigos jornalísticos, sinopses, textos para publicidade vária, sobre várias disciplinas, da filosofia às artes plásticas, escrevi o que ia na cabeça de desconhecidos e escrevi para rir mas nunca nada para teatro. nunca me saiu uma linha. tentei poucas vezes, é verdade, mas sou daquelas pessoas que quando se dirige a uma página em branco já sabe o que quer. o resto do tempo aquilo anda ali às voltas, dias, meses, anos, dezenas de anos, na cabeça, nos olhos, na lábia, na surpreendente audição. e tenho medo de não chegar a tempo de concretizar tudo. é engraçado que quando penso nisto penso imediatamente, não sem um certo gozo, que o resto, aquilo que advém da sua exposição, me é absolutamente indiferente. estou protegida pela crença de que dizer aquilo que tenho para dizer, basta. já outros o disseram? é, sem dúvida, o mais provável e contudo, ao mesmo tempo, é precisamente esse o sinal mais claro do quanto quero dizê-lo: sem isso, confesso que não terei vivido.
não me animam questões de pertença ou de destinação. como poderia eu, que não gosto de todos os filmes do João César Monteiro nem acho o Ângelo de Sousa genial, ter sobrevivido, se a isso tivesse cedido? tenho limites amplos mas rigorosos e inflexíveis. gosto de estar com os outros mas é para mim que me dirijo. não nasci para ser budista, por isso nem sempre é límpido, nítido, visível e nunca se está inteiro em nada. mas é estar aqui e agora que eu quero e é isso plenamente, mesmo que seja o inferno. restam-me alguns dias com este texto e não sei ainda o que vai sair daqui. após estas semanas iniciais de trabalho tenho imensas ideias apenas a formar-se, o tempo falta-me sempre, outra lástima por não ter dado para budista. mas é inspirador descobrir finalmente o que isto é e como se faz. e de certo modo extraordinário, um extraordinário que poderia ser assustador se eu me assustasse com essas coisas, perceber como há tanto tempo não tinha um desafio.
16 de dezembro de 2015
11 de dezembro de 2015
como nunca consegui, tenho vontade de continuar. claro que é preciso uma bela dose de estupidez para continuar. tendo em conta os resultados, já devia ter desistido. se fosse mais inteligente, já teria desistido. mas prefiro fazer este trabalho a outro qualquer (a frase nem é minha, mas como se adequa mais a mim, nem vale a pena dizer quem foi).
Rui Catalão, publicado no Facebook no dia 11 de dezembro de 2015.
Rui Catalão, publicado no Facebook no dia 11 de dezembro de 2015.
10 de dezembro de 2015
8 de dezembro de 2015
As mãos que não são lavadas com sabão têm micróbios que não são visíveis mas que existem. O toque das mãos sujas na boca, na mama ou nos alimentos, pode provocar doenças e infeções tais como a diarreia. Para evitar estas doenças as mãos devem ser lavadas nos momentos críticos: ao sair de casas-de-banho, antes de amamentar, antes de tocar num recém-nascido, antes de comer ou de preparar uma refeição, antes de dar à luz.
É importante pois permite reduzir as doenças e infeções corporais.
Para prevenir estas doenças e suas infeções, é necessário:
• Lavar as mãos com sabão ou cinzas, à saída das latrinas e após a limpeza anal das crianças;
• Lavar as mãos antes de cozinhar e antes de comer;
• Escovar os dentes pelo menos duas vezes por dia (manhã e noite);
• Lavar frequentemente o rosto e as mãos das crianças com sabão;
• Lavar-se regularmente, pelo menos uma vez por dia;
• Lavar o cabelo regularmente;
• Lavar a roupa.
Como lavar as mãos?
• Retirar relógio, pulseiras e anéis;
• Molhar as mãos com água limpa;
• Usar sabão comum ou antisético;
• Esfregar vigorosamente as mãos ensaboadas uma contra a outra durante 15 a 30 segundos (não esquecer as unhas e entre os dedos);
• Enxaguar com água limpa proveniente de uma torneira ou de um furo (neste caso, garantir que alguém deita água sobre as mãos, não devendo as mãos ser mergulhadas no recipiente com água);
• Secar as mãos ao ar livre;
• Não secar as mãos com um pano pois mesmo que pareça limpo, está muitas vezes contaminado por germes.
É importante pois permite reduzir as doenças e infeções corporais.
Para prevenir estas doenças e suas infeções, é necessário:
• Lavar as mãos com sabão ou cinzas, à saída das latrinas e após a limpeza anal das crianças;
• Lavar as mãos antes de cozinhar e antes de comer;
• Escovar os dentes pelo menos duas vezes por dia (manhã e noite);
• Lavar frequentemente o rosto e as mãos das crianças com sabão;
• Lavar-se regularmente, pelo menos uma vez por dia;
• Lavar o cabelo regularmente;
• Lavar a roupa.
Como lavar as mãos?
• Retirar relógio, pulseiras e anéis;
• Molhar as mãos com água limpa;
• Usar sabão comum ou antisético;
• Esfregar vigorosamente as mãos ensaboadas uma contra a outra durante 15 a 30 segundos (não esquecer as unhas e entre os dedos);
• Enxaguar com água limpa proveniente de uma torneira ou de um furo (neste caso, garantir que alguém deita água sobre as mãos, não devendo as mãos ser mergulhadas no recipiente com água);
• Secar as mãos ao ar livre;
• Não secar as mãos com um pano pois mesmo que pareça limpo, está muitas vezes contaminado por germes.
fui-me embora e estou a refletir sobre isso há muito tempo. se faço bem as contas, há quarenta e um anos. e há vinte anos que não recebo visitas. fico a olhar dias inteiros para os quadros na parede. num veem-se ovelhas no prado, mas sem pastor. noutro, um homem com bigode, no silêncio e na solidão. através da parede verde, estão ligados um ao outro. inflexíveis, não confessam nada. rodo a maçaneta da sala com uma mão trémula e fixo nisso a minha atenção. foi aí, nesse momento, que recebi a notícia. no silêncio, na solidão. a solidão também não tem nada assim tão misterioso. pensei um pouco na minha infância mas tenho curta memória, construí a minha infância artificialmente. o fogo ardia na lareira, amarelo e negro. tinha que ser assim.
— Ouço sirenes.
— Sirenes? Está um silêncio atroz.
— Ouço inúmeras sirenes, muitas, em múltiplas direções.
— De que é que estás a falar? Não se ouve nada! Não se ouve o pio de um mocho!
— Ouço inúmeras sirenes, são incontáveis.
— Estás-te a passar.
— Estou a ouvir as sirenes do mundo inteiro, de todos os carros com sirene que estão a passar. Estas que passaram agora, não ouviste?
— Não faço a mais pequena ideia do que estás a falar.
— Não ouves? Estas eram em Londres. Também se ouvem, distintamente, sirenes de São Paulo, do Cairo, de Djibuti e de San Salvador.
— Mas quais sirenes meu?
— Estão a passar. Estão todas a passar. E eu estou a ouvi-las a todas ao mesmo tempo, de toda a parte. As sirenes nunca se calam, estão sempre a soar. É ensurdecedor. O som fere os ouvidos e come os outros sons. De ti por exemplo, o que é que oiço, o que é que não oiço? Não posso saber com tanta sirene. E daqui não posso sair, não posso ir a lado nenhum. Nem mesmo quando adormeço há silêncio, também aí as ouço, por vezes com um som ainda mais claro, e assustadoramente posso ver uma sirene soar ao lado que eu sei que está em Nairobi, e contudo vejo-a passar ali mesmo ao meu lado. O mundo é uma sempiterna orquestra de sirenes. É isso que é. É ensurdecedor. Não ouves?
— Sirenes? Está um silêncio atroz.
— Ouço inúmeras sirenes, muitas, em múltiplas direções.
— De que é que estás a falar? Não se ouve nada! Não se ouve o pio de um mocho!
— Ouço inúmeras sirenes, são incontáveis.
— Estás-te a passar.
— Estou a ouvir as sirenes do mundo inteiro, de todos os carros com sirene que estão a passar. Estas que passaram agora, não ouviste?
— Não faço a mais pequena ideia do que estás a falar.
— Não ouves? Estas eram em Londres. Também se ouvem, distintamente, sirenes de São Paulo, do Cairo, de Djibuti e de San Salvador.
— Mas quais sirenes meu?
— Estão a passar. Estão todas a passar. E eu estou a ouvi-las a todas ao mesmo tempo, de toda a parte. As sirenes nunca se calam, estão sempre a soar. É ensurdecedor. O som fere os ouvidos e come os outros sons. De ti por exemplo, o que é que oiço, o que é que não oiço? Não posso saber com tanta sirene. E daqui não posso sair, não posso ir a lado nenhum. Nem mesmo quando adormeço há silêncio, também aí as ouço, por vezes com um som ainda mais claro, e assustadoramente posso ver uma sirene soar ao lado que eu sei que está em Nairobi, e contudo vejo-a passar ali mesmo ao meu lado. O mundo é uma sempiterna orquestra de sirenes. É isso que é. É ensurdecedor. Não ouves?
3 de dezembro de 2015
enquanto há luz em minha casa até a mais opressiva mediocridade é leve e o ruído do relógio passa despercebido, mergulhado num plácido silêncio. apenas a vontade de fumar me recorda ligeiramente de mim e o que sonhei na noite anterior parece pertencer a outrem, uma entidade distinta da matéria, definida por uma impossibilidade absoluta. não há angústia nem violência senão na falta de som. no anonimato ressoa a alucinação do esgotamento, e o esgotamento nunca é inspirado, é um jogo perverso cujas regras alimentam um corpo gerado por excesso de intimidade, excesso de isolamento, excesso de ambiguidade e demasiado próximo da morte. como um escândalo sem revolta.
2 de dezembro de 2015
acabarei sem memórias de qualquer espécie. quando um miúdo olhar estarrecido para o meu inescrutável rosto de velha, serei tão ignorante como ele sobre como terei ganho aquelas rugas. terei menos caminhos do que aqueles que tenho hoje, saberei menos de mim, o mundo será ainda menos vasto. tenho contudo esta esperança, de ficar reduzida apenas ao suficiente: à minha linguagem.
25 de novembro de 2015
19 de novembro de 2015
17 de novembro de 2015
há nele qualquer coisa que não se descarta facilmente, isso é inequívoco. como uma arma.
mas quando a vês, o que é que sentes?, perguntou G., olhando para o interior da vila cuja primeira porta, do lado direito, cheirava a azeite.
és muito inteligente, disse-lhe, gosto tanto disso.
começámos a percorrer a estrada ao lado dos renques de oliveiras, o crepúsculo ameaçava com frio.
ela não gosta de mim, declarei.
gosta sim, respondeu G., com uma certa impaciência, mas com um tom que, por me parecer realista, se tornou inquietante. quis responder-lhe com um não fulminante, que a enchesse de vergonha. mas fiquei em silêncio. subitamente tornou-se claro que o motivo da sua vinda era outro. a atmosfera inclinou-se para um recolhimento quase absoluto. ouvi os animais, os bois, os cavalos, os cães, e, mais longínquo, o som irreversível de uma máquina, um carro que passava a caminho da autoestrada por trás dos montes e das casas. sem qualquer receio disse-lhe que esta noite já não íamos a lado nenhum.
mas quando a vês, o que é que sentes?, perguntou G., olhando para o interior da vila cuja primeira porta, do lado direito, cheirava a azeite.
és muito inteligente, disse-lhe, gosto tanto disso.
começámos a percorrer a estrada ao lado dos renques de oliveiras, o crepúsculo ameaçava com frio.
ela não gosta de mim, declarei.
gosta sim, respondeu G., com uma certa impaciência, mas com um tom que, por me parecer realista, se tornou inquietante. quis responder-lhe com um não fulminante, que a enchesse de vergonha. mas fiquei em silêncio. subitamente tornou-se claro que o motivo da sua vinda era outro. a atmosfera inclinou-se para um recolhimento quase absoluto. ouvi os animais, os bois, os cavalos, os cães, e, mais longínquo, o som irreversível de uma máquina, um carro que passava a caminho da autoestrada por trás dos montes e das casas. sem qualquer receio disse-lhe que esta noite já não íamos a lado nenhum.
16 de novembro de 2015
13 de novembro de 2015
Ki-nam Soo ocupou o lugar número 62 no autocarro e olhou através da janela para o pequeno bosque que começava do outro lado da praça e se estendia por cerca de cinquenta hectares até às margens do lago Changpae, à beira do qual a cidade de Taedong-san começava, prolongando-se depois até à base da montanha Baekdu Cheonji, onde todo o sinal de vida humana terminava totalmente, e também os cheiros, pois estava coberta de neve todo o ano. depois ajeitou as abas do casaco uma sobre a outra e poisou as mãos sobre a barriga, preparando-se definitivamente para a viagem. ao seu lado no banco viajava a nora e, pousado entre ambos, um saco de pano contendo uma caixa com bulgogi, outra menor com kimchi, uma garrafa de bokbunja, um chocolate e duas cartas, uma delas selada há vinte e três anos, a outra escrita há alguns dias atrás, tudo embrulhado em papel vermelho com uma fita de tule amarela. por cima, cuidadosamente atado com fio de algodão, um ramo de rosas Sharon, a flor imortal, símbolo de quem ultrapassa o sofrimento e enfim, no chão, presa entre os pés da nora, uma melancia com 12 quilos. tinha sido dos primeiros a sentar-se e portanto ouvia agora os outros falar ainda entre si, alto e depressa, enquanto arrumavam malas e procuravam ansiosamente o lugar que lhes havia cabido no último sorteio, o primeiro em cinco anos, pois este grupo de 68 sul-coreanos, do qual Ki-nam Soo fazia parte, integrava-se noutro maior, de 398, pertencentes a 96 famílias ao todo que viajariam dentro de minutos até ao norte da Coreia para reencontrar os 141 familiares que, devido à guerra entre o norte e o sul, não viram durante os últimos sessenta anos, ou mais. na lista de espera para o próximo sorteio, que não se sabe quando se voltará a realizar, ficaram mais de 65.000 sul-coreanos. mas Ki-nam Soo agora esqueceu tudo isso. tem um filho. chama-se Lee Dong-im e tinha 9 meses quando o viu pela última vez, agora tem 66. «está vivo», alegra-se Ki-nam Soo desde que soube que tinha sido selecionado, «estou vivo», alegra-se. a viagem leva três horas e a reunião entre as famílias duas. em apenas três horas, irá rever o rosto desse bebé. em poucas horas será isso, um homem adulto. sabe que irá revê-lo pela primeira e pela última vez pois as hipóteses de um reencontro são inexistentes. Ki-nam Soo e Lee Dong-im encontram-se agora pela primeira e pela última vez. um primeiro encontro que é uma despedida.
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