30 de dezembro de 2014

Il avait 3 ans. Un jour, il arrive et il me dit: ‘Maman, mes ciseaux à découper, mes ciseaux à découper! Où ils sont?’ Il pleurait, il était très malheureux, et je lui dis: ‘Tu n’as qu’à les chercher, tes ciseaux à découper!’ Il recommence: ‘Maman, mes ciseaux à découper!’ Alors je lui dis: ‘Cherche, écoute! Réfléchis! Où les as-tu mis?’ Il me dit: ‘Je ne peux pas réfléchir!’ Je lui dis: ‘Pourquoi tu ne peux pas réfléchir?’ et il me dit: ‘Parce que si je réfléchis, je crois que je les ai foutus par la fenêtre.’

Marguerite Duras

29 de dezembro de 2014

Dearest Max, 

my last request: everything I leave behind me... In the way of diaries, manuscripts, letters (my own and others'), sketches, and so on, [is] to be burned unread...

Yours, 
Franz Kafka

28 de dezembro de 2014

O Deus do rouxinol é o Deus que eu sirvo.

Charles Spurgeon

26 de dezembro de 2014

tenho uma chave, entro, já conheço este lugar. há vozes e comida, eu tenho fome e frio mas reparo que estou muda. duvido que a multidão seja real e a profusão transforma-se em confusão. não acredito sequer no que me está a acontecer. não, não é isso. sei é que a realidade das coisas que acontecem muitas vezes revela ser o seu oposto. parece uma festa mas pode ser um crime. não sou inocente. não quero brindar com os ímpios, não quero estar entre eles. desvio-me para o corredor, a madeira gasta, esburacada pelos bichos, húmida, camadas de tinta a estalar. na outra mão, só vejo agora, pesa-me um ramo de flores. a princípio não sei que flores são nem penso nisso, depois as flores ficam horrivelmente nítidas, é um grande ramo de rosas vermelhas, não sei porquê pois nem sequer gosto de rosas, são frescas, perfeitas, um pico está cravado num dos meus dedos, não sei se sangra mas nada muda, continuo a segurar o ramo exatamente com a mesma força antes de pensar na dor. entrei num quarto vazio, está escuro e longe da festa. através de uma janela, a única, passa um imenso clarão amarelo torrado, embora continue a estar escuro e frio dentro do quarto. não faço nada. talvez não saiba o que fazer talvez não queira fazer nada. através do clarão a paisagem é invisível. olho para o clarão sem dar um passo em direção a ele para me debruçar sobre a paisagem. creio que ficaria cega. o tempo passa em grandes ondas e eu permaneço indiferente. dias, noites, meses, estações, porém, sempre o mesmo clarão amarelo através da janela. tenho sede. reparo que não falo há muito tempo e quero falar mas não consigo. não me lembro de nada. talvez nunca tenha aprendido a falar. sou uma imperiosa controvérsia que quer instalar-se comodamente na sombra e conformar-se a ela. sei bem que o que vejo do mundo não passa de uma fantasia fugaz. a minha maneira de ver o mundo nada tem que ver com o mundo, a minha maneira de pensar constitui uma renúncia ao rigor do pensamento. uma incompreensível sucessão de fenómenos tornou o espaço artificial, mera sequência de planos, categorias, dimensões, consequências. não durmo. o tempo não passa mas mesmo assim gostaria de poder dormir.
My soul yearns after the Lord.

25 de dezembro de 2014

Ninguém pode enumerar todos os casos em que o consolo é uma necessidade. É impossível saber quando cairá o crepúsculo, impossível enumerar todos os casos em que o consolo se fará necessário. A vida não é um problema que possa resolver-se dividindo a luz pela escuridão ou os dias pelas noites, mas sim uma viagem imprevisível entre lugares que não existem.

Stig Dagerman, A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer.

24 de dezembro de 2014

da janela avisto uma paisagem reduzida de coisas. são poucos telhados, poderia contá-los, mas os suficientes para tapar a linha do horizonte terrestre. abro-a e debruço-me para fumar um cigarro. não há nada para ver desta janela. nada. nada se passa, nada acontece. a monotonia do que toca o solo deveria invariavelmente atrair os olhos para o céu, ele próprio ainda mais monótono.
desta janela vejo uma buganvília com flores cor de rosa. ontem, ao cimo da buganvília, vi umas flores brancas, de que gosto muito. com os olhos procurei o pé, escondido entre uma profusão de outras plantas foi difícil encontrá-lo. a trepadeira subiu toda a altura da buganvília tapada por ela, resistindo à falta de luz, e agora um pequeno cacho de flores brancas brilha acima dela.
regressei à noite. na escuridão apenas estão visíveis alguns pontos de luz, ao fundo. são candeeiros de estrada. hoje, mesmo no centro do meu quadro, havia um terraço iluminado. a luz, colocada debaixo de uma parreira, revelava a sua amplitude, que ecoava.
lufadas de fumo branco vindo das lareiras alastravam por toda a parte. empurrada por um vento ligeiro, uma dessas nuvens tocou nas minhas mãos.
a lua aparece cedo, primeiro muito alta e branca no céu, mais tarde equilibrada sobre os telhados. há dias estava cheia e completamente cor de rosa, uma das maiores luas que vi até hoje. ali mesmo, à minha frente, sem razão.
há três gatos nos telhados. um amarelo, grande, gordo. um branco, sujo, elegante. um cinzento, que aparece menos vezes, com ar de rufia. deitam-se ao sol e procuram troncos e galhos para se coçar. vigiam o mundo, soberanos, pachorrentos e implacáveis.
hoje depois de almoço vi um melro dentro de um buraco a escavar a terra com o bico.
os limoeiros estão carregados. que belos são os limoeiros. parecem estar sempre carregados, sempre cheios de fruta, sempre cheios de maturidade, sempre prontos.
em dias de sorte, quando abro a janela, o mundo está branco. perante o nevoeiro, oiço apenas. o coração vibrante.

20 de dezembro de 2014

na cozinha da minha avó havia uma mesa de camilha coberta com uma sarja verde escuro. tinha quatro aberturas através das quais passávamos as pernas para apoiar os pés no círculo da camilha em baixo, no centro do qual havia um braseiro. num braseiro o fogo nunca se levanta. as brasas são atiçadas, trocadas, sopradas e nunca incendeiam. isto fascinava-me, bem como o facto da cozinha inteira ficar quente apesar de não haver fogo mas apenas umas brasas tapadas — escondidas — por um pano tão grosso. portanto, mal chegava o inverno começava a perguntar ¿quando é que acendes o braseiro avó?, ao que ela respondia com um sorriso que nunca mostrava e prolongava a espera dizendo que tínhamos de poupar. depois um dia chegava do colégio e a cozinha estava quente. todo o tempo que podia ficar ali sentada, passava-o a espreitar para baixo da camilha, onde a incandescência estava envolvida pela escuridão. quando as brasas tinham sido acesas há pouco tempo, era impossível olhá-las. o calor queimava a cara e fechava os olhos. procurava arranjar estratégias, nenhuma que funcionasse, sobretudo talvez para lidar com a minha própria ansiedade. quando finalmente o calor começava a enfraquecer, levantava ligeiramente a saia da camilha e estudava o rubor do carvão, as cinzas em que se ia transformando. apesar de tudo, era rápido. demasiado rápido. e havia sempre muitas cinzas, sempre me parecia haver mais cinzas do que inicialmente poderia ter havido carvão. mas as cinzas acumulavam-se no depósito e só por vezes eram despejadas, numa operação difícil e melindrosa, que reunia várias mãos e vários olhares. se as brasas acesas me davam a sensação de participar nelas, a frieza do carvão no saco de papel provocava um outro tipo de curiosidade. podia olhá-lo quanto tempo e sempre que desejasse. podia tocar-lhe ou não. podia dar-lhe outro uso, como escrever. intrigava-me a sua origem, a alquimia que o fabricava e a que o transformava, e nas minhas divagações comparava-o ao que existe. quando a minha avó não estava a ver, quebrava pequenos pedaços e levava-os no bolso da bata, os dedos negros, custava a sair, a minha mãe ralhava quando a bata ia a lavar. dizia a mim mesma que alguma coisa no coração do mundo (e portanto em mim própria) era assim, negra, brilhante, aparentemente indestrutível, na realidade apenas cinza. pensava-o sem temor, pelo contrário. não sei exatamente em quê quando digo nisto, mas havia nisto alento, um júbilo oculto, uma alegria. ser carvão, ser brasa, ser cinza. viver.

19 de dezembro de 2014

18 de dezembro de 2014

é curioso que toda a gente tenha histórias sobre viagens de autocarro. na paragem ou lá dentro, entre um e outro destino, a viagem no autocarro é uma oportunidade para se estar em suspenso. uma altura para tomar o lugar do observador de que sentimos falta na azáfama. no dia em que a minha história se passa, o autocarro circulava entre a Cidade Universitária e Benfica. era o meio de uma tarde de outono, não chovia. havia a doçura do tempo ameno e das folhas com cores intensas a encher a copa das árvores e a voar por toda a parte. a beleza, por toda a parte. que em muito contribuía para as minhas divagações à janela e tornavam o percurso delicioso. num desses dias, uma mãe que arrastava uma criança pelo braço entraram no autocarro. a criança não gritava nem gemia ou sequer dizia nada, o que seria legítimo da sua parte, dada a forma violenta como era arrastada. os gestos da mãe eram de tal modo impetuosos que, assim que entraram no autocarro, atraíram o meu olhar como um íman. vi que tinha o coração apertado. voltei a olhar através do vidro para me concentrar nas cores da cidade. para esquecer aquela violência. alguns minutos depois, a criança começa a falar:

— Mãe, as pessoas podem nascer duas vezes???

julguei não ter ouvido bem. lembro-me de pensar que o autocarro estava cheio mas estranhamente silencioso naquele dia mas será que eu tinha ouvido bem. como que para desfazer as minhas dúvidas, a criança continuou:

— ó Mãe, as pessoas podem nascer duas vezes???? (segundos de pausa) Mãe!!! as pessoas podem nascer duas vezes???? (segundos de pausa) Mãe, as pessoas podem nascer duas vezes???

quando fazia a pergunta olhava para a mãe e a cada pausa olhava através do vidro da janela do autocarro, em puro devaneio. a sua voz era lancinante. a mãe vigiava o percurso que o autocarro fazia e durante muito tempo nunca o desviou. até que finalmente, respondeu:

— claro que não!!! então tu não sabes já que não?!?

ou seja, a criança continuou sem resposta à pergunta que a dilacerava. continuou a olhar através do vidro durante o resto do percurso e ao sair do autocarro pela mão da mãe, perguntava novamente:

— Mãe, mas... alguém pode nascer duas vezes...?

senti-me atordoada. queria responder-lhe. não tenho filhos e não estou habituada à presença de crianças, talvez por isso não estivesse preparada para esta delícia — terrível — de um pensamento que nasce. não sei que pensamento era esse e tive pena de não poder ter aquela criança como mestre. a pergunta era fabulosa. no caminho para casa, lembrei-me do que dizia Milan Kundera sobre as perguntas, que as verdadeiramente importantes são as que formulamos na infância: são as que não têm resposta. lembrei-me de Dioniso, que pela vingança da ciumenta Hera sobre Sémele, foi retirado do ventre da sua mãe morta e cosido na coxa de Zeus, seu pai, para terminar a gestação e assim nascer uma segunda vez. quando nesse dia me deitei, estava ainda a imaginar a conversa que poderia ter tido com o menino. invariavelmente começava assim: «claro que sim! olha, vou dar-te um exemplo. há muito, muito tempo atrás, havia um menino...»

16 de dezembro de 2014

uma vez, ao sairmos de uma festa, uma pessoa disse uma frase que nunca mais esqueci. era uma noite de inverno, numa festa em casa de uma amiga de Lisboa, que vivia no cais-do-sodré. eu conhecia quase toda a gente e como sempre não falei com quase ninguém. dancei. quando começou a amanhecer, peguei no meu casaco e comecei a despedir-me, ainda com uma cerveja na mão. um grupo decidiu seguir-me e, cada um com a sua cerveja na mão, pegaram nos seus casacos. preparámo-nos para descer a longa escada de madeira poeirenta até à rua. ao atravessarmos a porta, uma mulher disse, como se ninguém a ouvisse:

— quando voltar a ter um pretendente vou-lhe perguntar: queres vir apanhar frio comigo?

todos riram e fizeram comentários. o que ela queria dizer era que dar passeios em noites de verão é demasiado fácil. cheia de admiração, não consegui dizer nada. foi como se tivesse despertado naquele momento. devia ser aquilo o amor.

15 de dezembro de 2014

quando ele entra eu já o esqueci. sabia, antes de ir, que era possível encontrá-lo mas o entusiasmo distraiu-me. quando ele entra estou distraída, despreparada. entra sozinho e tenho a impressão de ficarmos face a face por instantes. do outro lado da sala sou tão visível como se também estivesse sozinha. o que é um brilhante acaso, um filme não faria melhor, e me diverte. portanto ele vê-me imediatamente, sem me fitar, e dirige o olhar para o chão. desprevenida, o meu corpo reage, já não vou a tempo de o evitar. é raro isto acontecer. reparo, já a meio do movimento, que ajeito o corpo na cadeira e desvio o olhar para o chão. ele entra e eu desvio o olhar para o chão, arrumo o corpo na cadeira. uma felicidade, cuja perfídia já conheço, quer envolver-me. reparo que o meu sangue ferve subtilmente e isso revolta-me. digo não ao sangue. retomo.
tento esquecer-me da sua presença, não consigo e digo-me que aceitarei o que ela me provoca. assim, procuro imediatamente organizar o que sinto. voltamos a estar ali os dois, talvez seja uma outra sala mas é idêntica à antiga. não estamos juntos, não o acompanho, ele não me acompanha. já não sei quem é sequer, passou muito tempo, não tenho vontade de estar com ele. não entrámos juntos, não sairemos juntos. não fumarei um cigarro com ele na entrada do edifício. não o ouvirei falar, não falarei. com esse pensamento sinto um certo alívio. perturba-me o quanto passou a ser-me indiferente em tão pouco tempo, talvez esteja a perder qualidades com a velhice. sei que ele me procura. sei que uma parte dele também ali está por minha causa. sei que também ele esperava encontrar-me. vejo agora que quando se sentou, na única cadeira vaga e apressado, ficámos com um móvel entre nós, que o impede de me ver. sorrio interiormente. sei que ele tem necessidade de me ver e que não é tão teimoso que consiga evitar fazer por isso. eu sou mais. sorrio porque o acaso (o belo, belo acaso) me deu uma oportunidade de o comprovar. concentrada no que fui ali fazer distraio-me dele. volto a lembrar-me quando, na minha visão periférica, reparo num corpo que se estende para trás numa cadeira. é ele. espreita-me por detrás do móvel em meio. tivesse eu quinze anos teria olhado diretamente para ele nesse momento. já não sou tão feroz nem tão segura.
depois, contra mim, volto a ficar atenta a ele, que descobri poder ver na minha visão periférica. procuro imaginar o que pensa. talvez também esteja atento. mas não pode ler o que escrevo. também ele já não sabe quem eu sou. sei que imagina coisas que não são reais, sempre foi e sempre será assim. um rapaz ao meu lado fala-me, mostra-me um livro. ele parece indiferente. às vezes é mais importante não dizer do que dizer, não fazer do que fazer, como naquele dia, enquanto caminhava em direção a ele sob as árvores, foi mais importante que não tivesse olhado para mim do que se tivesse olhado, como se tentasse, obstinada e pretensiosamente, resguardar-se de alguma comoção embora mais tarde, à despedida, não renunciasse a um olhar ostensivo sobre o meu corpo e, de forma perturbante, a sua mão quase ganhasse vontade própria, deslaçando-me enfim sem outro remédio senão evitar tumultos. ou talvez isto fosse um puro engano. durante muito tempo eram contudo estas as coisas que me prendiam a ele. e portanto isso, essa ligação, a importância dessa ligação, minha e não dele, não nossa, toma agora relevância. são estas as coisas que me prendem a ele, pensei. estar aqui é importante porque te devolve o luto que ainda há a fazer. senti-me grata por isso.
a hora de sairmos aproxima-se. sei que ele quer apanhar-me à saída. sei que é apenas isso que quer, que não falaremos. sei também que pensa que quero fugir. mas eu não quero fugir. tudo nele se tornou expectável, previsível, repetitivo. desviei-me para outro caminho e o que daqui vejo tomou uma certa lentidão, muito curiosa de resto, ainda assim inesperada. não tenho pena, conheci-o. é fascinante. e conheci o opróbrio. conhecer o opróbrio reposiciona-nos no mundo. quando ele se tornou risível, voltei a ver-me. parte o devo a profundos silêncios, dolorosos, mas necessários. não explico nada a ninguém que não queira ouvir explicações. pensem o que quiserem. só se ilude e erra o alvo aquele que não ama. portanto vou em frente. o amor, se um dia chegar, chegará inteiro ou não será.
uma pessoa assoma à porta e pede para sairmos. todos se levantam ao mesmo tempo. se quiser sair, terei de passar por trás das pessoas que estão ao meu lado ou esperar que todos saiam. assim que me desvio para trás das pessoas, ele corre para a saída. sorrio interiormente e, ato contínuo, sinto medo. ¿medo de quê?, penso. ele vai estar lá fora, respondo. sossego-me. ele não quer falar, só te quer ver. e mostrar-se, sobretudo mostrar-se. para ele, estares aqui é confirmares que pensas nele em silêncio, à distância. ele quer confirmar a sua influência, o seu direito de propriedade, o seu poder. é apenas um homem. sossega. saio.
sorrio interiormente mal o vejo. está encostado a uma parede tem um livro nas mãos que aparentemente lê. o corpo está reclinado, o ombro esquerdo encostado à parede, o tronco voltado para a porta da sala por onde estou a sair, os pés cruzados e pousados praticamente a meio do corredor. apercebo-me imediatamente da simulação na postura. instintivamente talvez, sem pensar, estou a ir em frente, vou passar com um olá. vejo-me longe dele, muito longe, daquele ridículo também, tanto que não me ocorre senão prosseguir o meu caminho. mas estou tão tranquila que me estranho. já estou perto dele quando penso que tinha decidido cumprimentá-lo mas agora estou a ir em frente (¿porquê?) e não posso deixar de o cumprimentar com um beijo. vejo que ele próprio se sobressalta ao ver-me avançar meio passo além dele, ou talvez não tenha tido tempo ou lhe falte a atenção necessária para conseguir aperceber-se dessas coisas e o sobressalto fizesse apenas parte da indumentária escolhida para a ocasião. olhamos um para o outro. agora que o escrevo não sei porque me senti forçada a cumprimentá-lo e a aproximar-me dele, passo de enorme violência contra mim própria neste dia, neste momento. podia simplesmente tê-lo deixado cair de surpresa. na altura o que pensei foi que, posteriormente, seria estranho não cumprimentar uma pessoa com quem tive uma relação tão intensa. ou talvez cedesse apenas a não criar tumultos. prefiro a deturpação ao choque. meros caprichos não são aceitáveis mas não tive tempo para perceber se esta decisão seria um. pensei apenas que há que ter coragem na vida. a coragem vê-se é nestas coisas, quando um homem e uma mulher se reencontram depois de uma relação que acabou. agora, no entanto, não sei, creio que talvez não fosse verdade. cumprimentei-o por temer que ele me desarmasse, não sei como, se passasse por ele apenas com um olá. tive medo. falhei.
cumprimentamo-nos. ele sorri. tem um grande sorriso e não diz nada. baixa um pouco a testa, olha para os meus olhos. penso no gato Cheshire. quase lho digo e com isso me assusto. repentinamente sou arrebatada, a audição muda, creio que estou a sonhar ou a acordar de um sonho. receio dizer o que não quero (¿e que grave revelação estaria contida nesta imagem?) e fazer o que me horroriza. procuro tranquilizar-me, nem estás a sonhar nem disseste nada que contivesse revelações desastrosas ou humilhantes, avanço o rosto para o beijar. olá M. ele não responde. isso choca-me e não sei porquê. enquanto o digo, movimento o meu braço direito para tocar no seu antebraço esquerdo, que ele desencostou da parede quando endireitou o corpo para me cumprimentar. quero que seja um gesto cordial mas quando lhe toco temo que haja denúncia de algum carinho e não quero ser demasiado carinhosa. portanto hesito e assim que me vejo hesitar sei que ele sentiu o tremor da minha mão ao tocar-lhe no braço. ordeno à minha mão para ficar firme como um soldado. digo ¿tudo bem? a minha voz treme no meio do silêncio. olho para ele e percebo que talvez não estivesse atento à minha mão. (agora que escrevo isto, reparo que a única coisa de que me esqueci foi da mão dele, que talvez me tenha tocado quando nos cumprimentámos, não sei já onde nem como. ou talvez não. e queria lembrar-me). ele não responde. está muito concentrado em não responder. olha para mim com um grande sorriso. também estou a sorrir, não tanto como ele, espero, pensei. dirijo agora os meus olhos para o chão, vou-me embora, tarefa cumprida, o seu corpo, o seu livro nas mãos, estão já ao meu lado, avanço mais um passo, ficou para trás, e com outro passo onde as pernas me falham, como se fossem partir-se, ainda mais para trás, não me vê, sei-o, não me verá, sair do corredor, do edifício, da cidade a anoitecer, não sabe quem sou. ¿saberá?
estou a olhar para o fundo do corredor, à esquerda estão as escadas que conduzem à saída do edifício, não sei o que sinto, impossível pensar, estou perdida num corredor um simples corredor, a porta de saída está próxima, conheço o caminho mas não consigo sair do edifício, sequer do corredor, repugna-me a ideia de talvez não querer sair de perto dele, de um corredor de ar ao qual se misturou o seu cheiro, continuo a andar em frente, há uma porta que não sei onde vai dar, entro, é uma casa de banho. tinha estado lá à chegada e não me recordava. tinha-me achado feia ao espelho enquanto lavava as mãos e sacudi os ombros. dirijo-me ao mesmo espelho. vejo-me linda. parece outro rosto, mais fino, mais delicado, ligeiramente rosado, os olhos com um azul muito forte sobressaem, o cabelo louro cai em canudos sobre os ombros. não sei o que terá acontecido, estou espantada. ¿quem sou eu? respiro fundo, penso no que tenho de fazer. agora sais e vais-te embora. agora tens de sair. caminho muito depressa, com passos pesados, muito pesados, sólidos, receio que os meus pés adiram aos degraus de pedra, e ao mesmo tempo tenho o corpo muito leve, como se estivesse à beira de desvanecer-se. aos poucos, quando começo a chegar ao final da escada, começo a sentir-me segura para pensar no que sinto. estou indignada. ele não falou. isso surpreendeu-me. afinal ainda conseguiu surpreender-me. e no entanto, ¿que importa? reparo que também não falou durante as duas horas que estivemos dentro da sala e que no final da aula achei isso estranho. é raro ele não falar, gosta demasiado de se ouvir a si próprio. ¿porque não me disse olá? foi isso que me fez quebrar a voz e prosseguir com um ¿tudo bem?, que não teria existido se ele tivesse falado. não falou, não disse nada, nem antes nem depois. ¿porquê? que estratégia era esta e para quê, que necessidade havia disto. a resposta está sempre nele, penso. ele não está interessado em ti mas nele próprio. então rapidamente me recordo daquele conto onde sugeri que a sua voz me transtornava. creio que poderá ser isso. ou poderá ser que apenas se ache tão importante ao ponto de se tornar rude. achei-o rude, penso. agora começo a organizar toda a justificação mentalmente. achei-o rude e por isso me indignei. sempre achei que ele era gentil socialmente, pelo menos socialmente. sempre foi, pensei que voltaria a ser, como seria natural para um fim que se quer acabado e encerrado. mas havia violência nesse silêncio. e ao mesmo tempo fraude. era um silêncio artificial, imposto, forçado, destinado a mim. como se eu ainda existisse. revoltei-me porque não era silêncio, era uma fala muda. e por ainda haver alguma coisa em mim sujeita a isso, seja lá o que isso seja, a ele. nada há a dizer, duas vezes mo repete, a primeira tinha-me provocado um riso abafado, a segunda perturba-me, ambas são desnecessárias e ridículas. que homem, com tanto para dizer mesmo quando nada há a dizer.
estava finalmente cá fora. o barulho do trânsito envolvia-me como uma alegria que regressasse. livre. libertei a tensão dos ombros e deitei a cabeça para trás. caminhei assim durante algum tempo, até acabar a rua, a olhar para o céu. o frio do vento que tocava no rosto era agradável. o meu passo abrandava e tornava-se mais leve. eu sorria ao que me esperava.
cheguei ao carro e vi que todos os meus gestos eram definitivos: despir o casaco, guardar o casaco, entrar no carro, ligar o carro, arrancar, estou livre, vou sair desta cidade, posso sair desta cidade, que alegria poder sair desta cidade hoje, agora. já no meio do trânsito voltei a pensar nele. o que sentes, o que sentes, agora. e lembrei-me do corpo dele reclinado no corredor, demasiado reclinado. ele saiu rapidamente por tua causa. e encostou-se àquela parede para te ver passar. e no final do dia, isso é que conta. sorri, não apenas interiormente pois estou sozinha no carro. sorri um grande sorriso e, ato contínuo, vejo que no coração também sorri. isso enche-me de medo, não quero pontas soltas. então decido escancarar a porta e comovo-me com o que encontro. gostei de o ver. estava bonito quando entrou na sala, foi o que pensei, sem querer assumi-lo. é tão bonito. sorrio outra vez. ¿mas porque raio gostas tu tanto de homens bonitos, já te fizeram algum bem? e sorrio outra vez porque penso pois mas são bonitos. estou a salvo, segura. nada depende dele. e está a ficar careca, lembra-te, mas não me vale de nada, continuo a achá-lo bonito. ainda não cortou o cabelo desde que lhe pediste para o deixar crescer, talvez o corte agora, depois de ler isto. claro que não é por tua causa, mas porque se acha bonito. e é. ainda é. e claro que o cabelo comprido lhe fica melhor. mas está a ficar careca e gordo. por acaso hoje achei-o mais magro. foi isso que pensei quando me aproximei dele e do livro nas mãos. estava elegante. acho que talvez até estivesse a encolher a barriga. e tem um sorriso bonito. estas coisas sempre obliteram nele a crueldade. corpo manso, falas mansas. e tu uma palerma mansa com as costas tão largas que ainda serias capaz de rir de tudo com ele. incluindo de ti própria. tenho uma grande vontade de chorar. não sei se hei-de deixar-me chorar mas decido que sim, que quero deixar sair tudo. deixo e não consigo. não tenho lágrimas, não cai uma única lágrima, o que me frustra, porque sinto que qualquer coisa que quero por fora está trancada. ¿porque é que tenho vontade de chorar? não sei, não sei bem, não quero saber. estou farta deste luto, vivo numa passagem infindável da esperança ao temor à indignação. e esta esperança aterroriza-me. estou farta destas ondas e não quero voltar a naufragar. escolho preservar o melhor dele, que é a vida atrás do seu silêncio, é essa a única coisa que me interessa manter. talvez ele saiba isso, sim, talvez ele me conheça. ¿se lhe perguntasse a ele que música sou, o que me responderia? creio que não poderia responder. tenho saudades dele, de o ver rir, de o ouvir falar, animado, das suas elucubrações e do mundo, do terrível mundo. mais pelos seus gestos, entoações de voz e movimentos de rosto do que pelo que poderia dizer. ¿mas que importa? quero chorar porque essa é a derradeira forma do amor. não quero deixar de chorar.
estou a salvo e que desoladora me parece a minha salvação. nada se passa, estou de volta ao fosso, abençoado fosso. nem sequer tenho pena dele. cada um vive o que quer e eu estou a salvo. quando chego a casa começo a ficar zangada porque me confesso, quase à força, que ainda estou a pensar nele. entretenho-me a reconstruir o doce caminho entre mim e os pequenos sinais que me chegam dele, faço-o com certa paixão, como um detetive. certamente que estou continuamente a querer ver o que não está lá. o que foi feito para ser pensado não foi feito para ser amado. estou a sair do carro quando imagino este texto que decido imediatamente escrever. há que ter coragem para isso miúda, e logo vejo que a tenho. ¿e consegues? consigo, respondo. nem que eu fique uma noite inteira ao computador. está bem, escreves o texto. ¿e depois publicas? ai publicas, penso resolutamente, sem pensar muito. bom, primeiro escreve, sempre quero ver. vais-te esquecer, já sei como é. não esquecerei nada. e vou publicar. há que deixar sair tudo.

14 de dezembro de 2014

11 de dezembro de 2014

Ser-se livre é nunca mais nos envergonharmos daquilo que somos, é o conteúdo inteiro de algo que não está acabado.

Maria Filomena Molder, 10.12.2014

10 de dezembro de 2014

decifração das formas.
durante anos vivi no temor da descoberta das mãos. escondi-as dos olhares, e do meu próprio, até mesmo enquanto me preparava para adormecer. estas extremidades que nunca se tornam invisíveis foram o meu mais terrível pesadelo. não apenas na infância e na adolescência mas até há pouco tempo atrás quando, um dia, não sei porquê, decidi libertá-las da prisão a que as tinha submetido. creio porém saber o que esteve na origem desta repulsa, que mais tarde formou corpo para além de mim.
quando comecei a escrever, escrevíamos manualmente. durante muitos anos, naquilo que foi bem mais de metade da minha vida, escrevi e desenhei através da força da mão. não sei se por ter começado cedo se por predisposição natural, formei calos na mão da direita muito pronunciados em dois dedos, dois dos três dedos que tocavam no lápis. o crescimento da mão esquerda nunca foi perturbado. já a mão direita começou a desenvolver uma espécie de músculo, como um atleta na ginástica. cresceu imperturbavelmente votada ao que fazia, sem quaisquer inquietações, nem estéticas nem de género. eu olhava para ela e achava-a monstruosa. da mesma maneira que olhava para o que escrevia e receava que, mais dia menos dia, de mim pudesse sair um monstro. e assim, na impossibilidade de impedir o seu crescimento, havia pelo menos que ocultá-lo, sob pena de me ver definitivamente exilada da comunidade. foi desta forma que desisti de me ocupar das mãos e decidi escondê-las, fingindo ao mesmo tempo ignorar o meu horror perante o crescimento dos calos nas alturas em que escrevia mais, bem como o meu desespero nas alturas em que escrevia menos, porque mesmo com a interrupção, estes não sofressem qualquer mudança.
quando os computadores chegaram, os hábitos de escrita alteraram-se rápida e radicalmente. apesar de continuarem diante de mim, e de agora as fazer trabalhar às duas, foram as pontas dos dedos que passaram a sofrer um impacte. e este impacte (é curioso) não deixa marcas. com isto, à medida que os anos passaram, um dos calos praticamente desapareceu e o outro amoleceu. neste momento, na verdade, apenas eu sei que ele lá está.
creio que não houve nada na minha vida em que eu tivesse pensado tanto como nas minhas mãos, dissimulada ou claramente. este ano, decido falar sobre elas — pela primeira vez —, por acaso, a um amigo que, dada a singeleza das minhas palavras, não se apercebeu da importância que o assunto tinha para mim. revelei-lhe na altura o maior dos segredos sobre as minhas mãos, aquele que pensei querer ocultar até à morte: «tenho uma mão de mulher e uma mão de homem», disse-lhe. «uma com dedos finos e delicados, bonita até. outra com dedos grosseiros e tortuosidades, como a mão de um agricultor. é essa a mão com que escrevo.», disse-lhe. mas não consegui dizer a palavra calo. algum tempo depois falei a um segundo amigo uma segunda vez e agora tu o lês. não posso contudo afirmar que isto tenha sido surpreendente. simplesmente aconteceu, como o cabelo embaraçado de manhã acontece e os dióspiros no outono. não senti nada digno de lembrança nem antes nem depois embora o cabelo embaraçado seja um desafio e os dióspiros excelsos.
tenho andado a pensar numa incorreção ou numa imperfeição que há algum tempo cometi num texto, onde procurei descrever como passei anos a escondê-las. na verdade não se pode esconder as mãos. em primeiro lugar, a não ser que andemos sempre de luvas, é impossível. em segundo lugar, esconder as mãos atrairia demasiado os olhares, acabando por resultar precisamente no oposto do nosso propósito. as mãos são o centro do corpo e funcionam como a voz, cuja sonoridade tem efeito decisivo. das minhas mãos, quando as escondia, a base do pulso, as costas e os nós dos dedos sempre estiveram visíveis. o que eu nunca deixava ver eram as pontas dos dedos.
foi quando caminhava sob o luar que ontem me ocorreu o esclarecimento. num quase ameno final de tarde invernoso, praticamente sem vento, de céu negro, numa rua deserta, vi subitamente a imagem de um bebé que nasce, a pele transparente e enrugada, os berros, os líquidos, o cordão e os dedos das mãos que se estendem para logo voltarem a cerrar-se. imediatamente a forma das suas mãos fechadas aderiu à forma das minhas mãos, que até há pouco tempo eu cerrava precisamente como um recém nascido: enrolando os dedos para esconder as pontas.
não sei o que significa isto ou o que signifique talvez não tenha lugar na escrita pois lhe escapa como escapa a qualquer dizer. mas a associação entre as duas imagens desembaraçou-me. formas que invariavelmente dão origem a outras formas, tantas vezes não sei o que significam, tantas vezes se significam apenas a si próprias. o que se encontra no entanto, não é aquilo que se procurou. quando escrevi o primeiro texto sobre a prática obsessiva em esconder as minhas mãos dos olhares, sabia que não estava a ser rigorosa. percebi que esse pormenor tinha uma importância particular, aglutinadora, como se a forma principal tombasse do seu pedestal à revelação daquela que detinha efetiva consistência. quero pensar nestas formas. é com elas que vivo no meu mundo de fantasia. não as chamo, não as imagino: elas surgem e precipitam-se com uma eficácia paradoxal, agem profundamente prescindindo das imagens e oferecem-se, através da linguagem, como enigmas para serem decifrados. a sua decifração abre lugar ao silêncio, onde invisto como o archeiro.

9 de dezembro de 2014

defendi-me do gesto como se nem conhecesse aquela criatura, subitamente maldita. o céu negro noturno estava coberto de nuvens, azuis, a serem arrastadas pelo vento, que eu podia ver através da janela no teto. percebi em mim uma enorme vergonha. vi que ele tinha vontade de chorar. qualquer coisa parecia ter-se dilacerado nele, não sei o quê, apenas isto era evidente: a minha imagem tinha desaparecido. nada no seu olhar me refletia, quem quer que eu fosse naquele momento era-me estranho. qual de nós teria desaparecido primeiro? e, se não era a mim que ele via, quem seria a sua vítima?
assustado, levantou-se e fugiu, como se fosse ele o animal ferido. soube instantaneamente que o perdoaria.
deixei-me ficar deitada sobre o colchão nu. tinha de me levantar e ver se havia sangue mas não me mexi durante muito tempo, nem para voltar a fechar a porta que entretanto tinha sido deixada entreaberta. ouvia apenas o silêncio regressar e esperava. não tinha dores, não chorei. levantei o tronco. o colchão estava intacto, bem como as minhas roupas. vesti-as, procurando descobrir a cada movimento do meu corpo se ele me obedecia como antes. e nada tinha mudado. saí, voltei a trancar a porta à chave, desci as escadas, entrei em casa e dirigi-me à casa de banho. debaixo da água, verifiquei que o que tinha acabado de acontecer não tinha deixado qualquer marca no meu corpo. foi aí que percebi que o pior estava ainda para acontecer. um terror invisível acabava de chegar à minha vida. nada tinha mudado.

8 de dezembro de 2014

Não nos aproximamos do outro senão através de um murmúrio. É esse murmurar, na sua extrema singularidade, que sustenta o mundo. Porque aquilo que é singular não é o modo como procuramos convencer(-nos) mas sim o mostrar. Isso de que não se pode dar exemplo, porque os exemplos circunscrevem a singularidade. Temos linguagens incomensuráveis, que comunicam sem regra. Mas não existe nada de essencial num rosto ou num pensamento. Há que viver sem razão e aceitar a perda, usar o luto que se sobrepõe à melancolia.

7 de dezembro de 2014

Unidentified participant: Sir, concerning individuality you were discussing a moment ago, you’ve often said—been quoted that you’re a literary man—I beg your pardon, you are not a literary man. By implication one might think that you’d prefer the author who is so to speak spontaneous and not always steady against one who’s read all the literature in his culture and [gives] a steady effort to produce, and works on his style. Is that correct […]? 

William Faulkner: How do you mean prefer the author, to spend an evening with him or the work he does? 

Unidentified participant: The work he does […] 

William Faulkner: Now you— 

Unidentified participant: […] clear up: do you mean by implication that you prefer the man who writes so to speak spontaneously or the man who studies his style, reads and learns techniques and works out something [totally] […]? 

William Faulkner: I would say first that—the the author is not—is of no importance at all, it’s what he writes. It don’t matter who wrote it. If—and—to—if you mean prefer him as an individual, then I will take the former because the intellectual man and I wouldn’t have anything to talk about. But the man has—has very little to do with his work in my opinion. The work is the thing. It don’t matter who wrote it. 

Unidentified participant: Well then let’s say it’s work, [which type of work do you prefer]? 

William Faulkner: Well, I think that some people must be intellectual, must be interested, immersed in—in his craft, in literature, to write, to do the work. Other people must be immersed in something completely different. They must in a sense lead a Jekyll and Hyde existence to do the work. It’s the work that matters. It’s not how he did it.

5 de dezembro de 2014

dizer não, afastar-me para o lugar mais desterrado, mais silencioso da terra, esperar e, um dia, começar a escrever.

2 de dezembro de 2014

O momento mais arriscado na travessia do oceano, quando o sal já chegou aos sonhos, é a nostalgia dos homens nobres.

1 de dezembro de 2014

nasci à sombra dos ciprestes, impenetráveis, cujo interior maciço se encontra repleto de ninhos. descobri que era uma mulher porque em tudo encontrei sinais do amor, para logo perceber que um imenso coro de vozes falava em meu lugar, mas nunca dele. a esperança, conheço-a, como uma violência sem redenção. defendo os segredos que me foram confiados e não os revelo senão àqueles que podem compreendê-los. vivo agora num lugar abençoado sobre a terra, onde os amigos são sombrios e silenciosos, impassíveis e frágeis. um lugar esquecido, onde nada existe para além da fraternidade, ela própria secreta e perecível.