da janela avisto uma paisagem reduzida de coisas. são poucos telhados, poderia contá-los, mas os suficientes para tapar a linha do horizonte terrestre. abro-a e debruço-me para fumar um cigarro. não há nada para ver desta janela. nada. nada se passa, nada acontece. a monotonia do que toca o solo deveria invariavelmente atrair os olhos para o céu, ele próprio ainda mais monótono.
desta janela vejo uma buganvília com flores cor de rosa. ontem, ao cimo da buganvília, vi umas flores brancas, de que gosto muito. com os olhos procurei o pé, escondido entre uma profusão de outras plantas foi difícil encontrá-lo. a trepadeira subiu toda a altura da buganvília tapada por ela, resistindo à falta de luz, e agora um pequeno cacho de flores brancas brilha acima dela.
regressei à noite. na escuridão apenas estão visíveis alguns pontos de luz, ao fundo. são candeeiros de estrada. hoje, mesmo no centro do meu quadro, havia um terraço iluminado. a luz, colocada debaixo de uma parreira, revelava a sua amplitude, que ecoava.
lufadas de fumo branco vindo das lareiras alastravam por toda a parte. empurrada por um vento ligeiro, uma dessas nuvens tocou nas minhas mãos.
a lua aparece cedo, primeiro muito alta e branca no céu, mais tarde equilibrada sobre os telhados. há dias estava cheia e completamente cor de rosa, uma das maiores luas que vi até hoje. ali mesmo, à minha frente, sem razão.
há três gatos nos telhados. um amarelo, grande, gordo. um branco, sujo, elegante. um cinzento, que aparece menos vezes, com ar de rufia. deitam-se ao sol e procuram troncos e galhos para se coçar. vigiam o mundo, soberanos, pachorrentos e implacáveis.
hoje depois de almoço vi um melro dentro de um buraco a escavar a terra com o bico.
os limoeiros estão carregados. que belos são os limoeiros. parecem estar sempre carregados, sempre cheios de fruta, sempre cheios de maturidade, sempre prontos.
em dias de sorte, quando abro a janela, o mundo está branco. perante o nevoeiro, oiço apenas. o coração vibrante.