20 de agosto de 2018

inocente, começava sempre por espantar-se e, depois, dizia impaciente: «Já sabia». naquele tempo, o sol tinha começado a descer e, pouco a pouco, ía deixando de iluminar o interior do jardim. mas não era ainda tempo de juntar as folhas caídas, lavrar e humedecer a terra, cortar os cepos e proteger os arbustos. não era ainda tempo de espantar-se nem com a leveza nem com a densidade. os olhos, sombrios, entravam a todo o instante em repouso e por dentro deles havia nomes que podiam ser vistos, mas não ditos. a tristeza estava acordada e viva, como um ramo pousado sobre os livros sobre a mesa, mas tudo era agora benevolente como um dia de espiga e podia ser cantado noite fora sem que a criança acordasse. quando ele viu nascer essa manhã de estrelas, percebeu que a esperança era infinita como um ovo acabado de rachar: admirável vida que começa. 

14 de agosto de 2018

Dizer com claridade o que existe em segredo.

Cecília Meireles

12 de agosto de 2018

não há verão em que as estações de televisão não filmem o presidente da república e o primeiro ministro quer na praia, quer a trabalhar em alguma representação do Estado. não se lhes pode chamar notícias, tem razão o leitor em advertir-me, mas enquanto não houver estes dois importantes momentos televisivos, o coração dos portugueses não descansa, pois, a quem é que isto fica entregue se vão todos de férias? claro, também têm direito, como os outros, e vão para onde com as granas deles? ah, bem entendido, para Portugal, como os outros, assim é que é. às vezes pergunto-me se é o país, se são as televisões que, orquestrando tudo sozinhas nos seus quartéis, cumprem a mesma grelha anual elaborada há 30 ou 40 anos. mas não pode ser, pois não? o Marcelo tem de ir a Monchique espalhar beijos e abraços e o Costa tem de fazer um mise-en-scène no seu escritório da Assembleia da República. está tudo sob controlo e podemos dormir descansados.