26 de outubro de 2012

A caminho de casa vejo sentado na paragem do autocarro um homem com um fato completo, muito engomado. Tem a camisa aberta dois ou três botões, o cabelo encaracolado puxado para trás, os olhos grandes, maiores que o rosto, muitos sinais pequenos como a minha mãe e é moreno como um cabrita. Encurvado, segura um pequeno pacote de papel nas mãos, de onde tira castanhas ainda a fumegar. Chego à paragem e depois de fumar um cigarro, sento-me ao seu lado e desejo uma daquelas castanhas. Ele oferece-me uma, eu estou sem grande surpresa. Qualquer coisa neste homem me parecia familiar, como se tivéssemos marcado ali encontro, neste dia e a esta hora.
Enquanto descasco a castanha, digo-lhe para agradecer e porque é verdade: «É a primeira que vou comer este ano! Parece estar bem assada.» Ele sorri, confirma a veracidade do que acabo de dizer e imediatamente prolonga a conversa com um convite para jantar. Recuso o mais delicadamente possível, dizendo que vou ao cinema, o que é verdade. Então ele começa a falar sobre cinema, ou melhor, sobre cinemas.
Diz primeiro que ao que parece, «esse acontecimento que anda aí com muitos filmes, que passa depois da televisão» está a ter muito sucesso. «O DocLisboa?», pergunto, «Isso mesmo!», responde sorrindo. Depois fala dos cinemas onde costumava ir em Lisboa. A lista é infindável. Éden, Odeon, Paris, São Jorge, Alvalade, Quarteto, Cinearte, um que havia no Coliseu, o do Chiado(-Terrasse), o Império, o Monumental e mais. Estou impressionada, e digo-lho, com a quantidade de salas de cinema que havia em Lisboa. Ele responde, naturalmente, que a televisão veio alterar tudo. Vejo-o olhar para a frente e hesitar brevemente antes de me segredar: «Aqui que ninguém nos ouve, eu até chegava a ir aos Piolhos». «Os Piolhos? O que eram os Piolhos?», pergunto, imaginando já a resposta. «O Piolho era ali no Olympia! E havia outro lá em baixo, no Martim Moniz!» Olhos nos olhos, bem abertos, largamos os dois a rir. Quando olhávamos um para o outro riamos mais alto. Um outro homem na paragem olhava para nós com um ar desconfiado. O homem das castanhas diz-me baixinho: «As sessões eram contínuas...!» E voltamos a rir antes de ficarmos os dois em silêncio a olhar para a frente, a pairar.