A maioria das minhas amigas é casada e tem filhos. Durante a quarentena, todas se queixaram de ter
demasiadas coisas para fazer e não estar a conseguir dar conta. Cuidar
da casa (limpar, arrumar, organizar), dos filhos (tratar da roupa, da escola,
imaginar atividades de recreio e exercício), cozinhar (pensar em
receitas, ir às compras, preparar a comida) e, enfim, estar em
teletrabalho. Ingénua sobre esta realidade do que é estar em casal,
pergunto «E ele?», mas invariavelmente a resposta é incompreensível:
«Ele está a trabalhar». Nunca me armei em defensora,
porque nenhuma delas precisa de defesa. São todas mulheres altamente
instruídas, competentes, inteligentes, criativas e empáticas. Porque não
agem? Como chegámos até aqui? Em relação ou não, pobres ou
ricas, instruídas ou ignorantes, com ou sem filhos, rebeldes ou
submissas, vivemos todas num mundo marcado pela dominação masculina e enfrentamos quotidianamente a necessidade de reclamar o nosso lugar. O que
temos de mudar? Como vamos mudar? Não sei responder.
No primeiro ano do
meu casamento, o meu marido, um ativista francês, foi deixando aos
poucos de lavar a loiça, aspirar a casa e cozinhar. Também queria ser
sempre ele a conduzir e, muito embora eu já fosse estudante quando
casámos, passou a achar mal que eu estivesse a estudar. Ao longo de
algumas semanas observei-o com curiosidade, para ver até onde iria. Depois, um dia,
também deixei de fazer tudo. Durante meses a fio, com a casa num caos,
passámos cada um a lavar a sua roupa e a jantar fora, altura em que ele
procurava convencer-me que, por razões de trabalho, não tinha tempo para
se ocupar daquelas coisas e que, portanto, como estava mais tempo em casa, eu tinha de o fazer. Foram
conversas extraordinárias, em que eu não cedi uma única vez. Então,
eventualmente, e de forma muito discreta, ele quebrou. De costas para mim, disse que ia passar uma camisa e perguntou-me se eu queria que ele passasse alguma coisa minha. Nesse momento,
ainda pensei se havia de ceder ou vingar-me de séculos
de sujeição. Um pouco contrafeita, agradeci e eventualmente tive de voltar a lavar a
loiça. Ficou-me todavia esta memória, de que me sirvo muitas vezes,
embora não sirva de nada às minhas amigas que têm de salvar tanta coisa
do naufrágio e também de ensinar a nadar
. No trabalho e em casa,
temos muito confronto a fazer, vivemos de acordo com códigos que não nos
pertencem e cumprimos papéis moldados para a felicidade dos homens.
Como diria Elena Ferrante, escritora e feminista que admiro, a
segurança da paz e do silêncio sufoca-nos.