Tenho uma enorme dificuldade em descrever um rosto. A cada tentativa saio frustrada, tendo escrito pouco ou nada. Mesmo esse pouco, arrancado com sorte e a ferros, nada revela sobre aquele rosto em particular, nem sobre as suas milimétricas manifestações. Não estou bem de outra maneira senão a escrever e, no entanto, não sou prolixa, eis a grande contradição da minha vida. Pelo contrário, em A Contraluz, Rachel Cusk tem descrições de rostos admiráveis, com adjetivos e metáforas de toda a espécie:
"Há qualquer coisa de personagem de desenho animado na cara de Paniotis: tudo nela é exagerado, as maçãs do rosto são muito magras, a testa muito alta, as sobrancelhas projetando-se como pontos de exclamação, o cabelo voando em todas as direções, e por isso, quando olhamos para ele, temos a sensação curiosa de estarmos a olhar para uma ilustração do Paniotis e não para o próprio Paniotis. Mesmo quando está descontraído, ostenta a expressão de alguém a quem acabaram de contar alguma coisa extraordinária, ou de alguém que abriu uma porta e ficou muito surpreendido com aquilo que viu à sua frente. Os olhos, emoldurados pelo ricto desta expressão, são irrequietos e voláteis e muitas vezes ficam dramaticamente protuberantes, como se algum dia pudessem voar, abandonando de vez o seu rosto, perplexos com aquilo que testemunharam."
Há nestas descrições a frieza de quem os imagina, de quem os trabalha, de quem tem a capacidade de criar um mundo. Eu, que tenho a insignificante ambição de descrever este mundo, debato-me com a falta de memória e com os afetos que perturbam a emissão de sinal. A regra, porém, é a mesma: trabalhar, trabalhar, trabalhar. A realidade também é imaginada.