11 de maio de 2020

Não conto os dias do meu confinamento. Naquele dia, estava eu sozinha no escritório, decidi ir para casa e dizer às minhas colegas para trabalharmos a partir de casa. Nada de novo para mim, que já o fiz tantas vezes. Foi como se a humanidade tivesse subitamente sido obrigada a viver de acordo com os introvertidos, quando antes éramos nós que tínhamos de fazer constantemente o esforço de adaptação. É difícil viver num mundo onde não quero fazer aquilo que a maioria quer fazer. Sair sim, mas só às vezes, estar com pessoas sim, mas de preferência que possa observá-las e ouvi-las bem, ter silêncio, ter tempo. Não sou tímida, mas vivo num mundo introspetivo e tenho tendência a desejar mais a solidão total ou a companhia de apenas uma pessoa. Gosto mais de escrever do que de falar, odeio conversa fiada e gosto mais de dar passeios num jardim pequeno e vazio do que num grande e apinhado de gente. A solidão permite-me ampliar a minha imaginação, sentir que tudo é possível, e penso que a maioria dos encontros, sobretudo os de trabalho, exigem um gasto supérfluo de energia. A minha casa é na verdade o centro da minha vida. Um amigo disse-me com certa admiração, quando entrou nela pela primeira vez, como tinha construído a casa onde vivo para a escrita.
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Esta semana li uma entrevista à Adília Lopes onde se vê uma fotografia de uma casa, supostamente a dela, com as paredes escritas. Essa coincidência fez-me sorrir. Nunca pensei ter alguma coisa em comum com a Adília Lopes, escritora de uma enorme assertividade e sintetismo, mas também eu, desde que vivo sozinha, escrevo nas paredes. Não faço tatuagens, mas as paredes de minha casa são como a minha pele tatuada. Nem tudo o que aí escrevo tem, contudo, um poder performativo. Por vezes faço listas, de música por exemplo, a última. Listas de receitas para ter à mão (detesto ir ao supermercado). Listas de livros que quero ler. Escrevo e eventualmente apago, quando já não me serve. Todavia, três linhas acompanham-me há já muitas casas. Em maiúsculas, um dia, depois de um sonho transformador, escrevi numa parede branca

NEM DEVER
NEM CULPA
NEM NECESSIDADE

Nunca revelei a ninguém o seu sentido, coisa que quero fazer hoje: é, para mim, o segredo do amor.