Não conto os dias do meu confinamento. Naquele dia, estava eu
sozinha no escritório, decidi ir para casa e dizer às minhas colegas
para trabalharmos a partir de casa. Nada de novo para mim, que já o fiz
tantas vezes. Foi como se a humanidade tivesse subitamente sido obrigada
a viver de acordo com os introvertidos, quando antes éramos nós que
tínhamos de fazer constantemente o esforço de adaptação. É difícil viver
num mundo onde não quero fazer aquilo que a maioria quer fazer. Sair
sim, mas só às vezes, estar com pessoas sim, mas de preferência que
possa observá-las e ouvi-las bem, ter silêncio, ter tempo. Não sou
tímida, mas vivo num mundo introspetivo e tenho tendência a desejar mais
a solidão total ou a companhia de apenas uma pessoa. Gosto mais de
escrever do que de falar, odeio conversa fiada e gosto mais de dar
passeios num jardim pequeno e vazio do que num grande e apinhado de
gente. A solidão permite-me ampliar a minha imaginação, sentir que tudo é
possível, e penso que a maioria dos encontros, sobretudo os de
trabalho, exigem um gasto supérfluo de energia. A minha casa é na
verdade o centro da minha vida. Um amigo disse-me com certa admiração,
quando entrou nela pela primeira vez, como tinha construído a casa onde
vivo para a escrita.
*
Esta semana li uma entrevista à Adília Lopes onde se vê uma fotografia de uma casa, supostamente a dela, com as paredes escritas. Essa coincidência fez-me sorrir. Nunca pensei ter alguma coisa em comum com a Adília Lopes, escritora de uma enorme assertividade e sintetismo, mas também eu, desde que vivo sozinha, escrevo nas paredes. Não faço tatuagens, mas as paredes de minha casa são como a minha pele tatuada. Nem tudo o que aí escrevo tem, contudo, um poder performativo. Por vezes faço listas, de música por exemplo, a última. Listas de receitas para ter à mão (detesto ir ao supermercado). Listas de livros que quero ler. Escrevo e eventualmente apago, quando já não me serve. Todavia, três linhas acompanham-me há já muitas casas. Em maiúsculas, um dia, depois de um sonho transformador, escrevi numa parede branca
NEM DEVER
NEM CULPA
NEM NECESSIDADE
Nunca revelei a ninguém o seu sentido, coisa que quero fazer hoje: é, para mim, o segredo do amor.