3 de maio de 2020

A maioria das minhas amigas é casada e tem filhos. Durante a quarentena, todas se queixaram de ter demasiadas coisas para fazer e não estar a conseguir dar conta. Cuidar da casa (limpar, arrumar, organizar), dos filhos (tratar da roupa, da escola, imaginar atividades de recreio e exercício), cozinhar (pensar em receitas, ir às compras, preparar a comida) e, enfim, estar em teletrabalho. Ingénua sobre esta realidade do que é estar em casal, pergunto «E ele?», mas invariavelmente a resposta é incompreensível: «Ele está a trabalhar». Nunca me armei em defensora, porque nenhuma delas precisa de defesa. São todas mulheres altamente instruídas, competentes, inteligentes, criativas e empáticas. Porque não agem? Como chegámos até aqui? Em relação ou não, pobres ou ricas, instruídas ou ignorantes, com ou sem filhos, rebeldes ou submissas, vivemos todas num mundo marcado pela dominação masculina e enfrentamos quotidianamente a necessidade de reclamar o nosso lugar. O que temos de mudar? Como vamos mudar? Não sei responder.
No primeiro ano do meu casamento, o meu marido, um ativista francês, foi deixando aos poucos de lavar a loiça, aspirar a casa e cozinhar. Também queria ser sempre ele a conduzir e, muito embora eu já fosse estudante quando casámos, passou a achar mal que eu estivesse a estudar. Ao longo de algumas semanas observei-o com curiosidade, para ver até onde iria. Depois, um dia, também deixei de fazer tudo. Durante meses a fio, com a casa num caos, passámos cada um a lavar a sua roupa e a jantar fora, altura em que ele procurava convencer-me que, por razões de trabalho, não tinha tempo para se ocupar daquelas coisas e que, portanto, como estava mais tempo em casa, eu tinha de o fazer. Foram conversas extraordinárias, em que eu não cedi uma única vez. Então, eventualmente, e de forma muito discreta, ele quebrou. De costas para mim, disse que ia passar uma camisa e perguntou-me se eu queria que ele passasse alguma coisa minha. Nesse momento, ainda pensei se havia de ceder ou vingar-me de séculos de sujeição. Um pouco contrafeita, agradeci e eventualmente tive de voltar a lavar a loiça. Ficou-me todavia esta memória, de que me sirvo muitas vezes, embora não sirva de nada às minhas amigas que têm de salvar tanta coisa do naufrágio e também de ensinar a nadar. No trabalho e em casa, temos muito confronto a fazer, vivemos de acordo com códigos que não nos pertencem e cumprimos papéis moldados para a felicidade dos homens. Como diria Elena Ferrante, escritora e feminista que admiro, a segurança da paz e do silêncio sufoca-nos.