Futuro
Pousou uma borboleta
sobre uma das pestanas
de um elefante.
21 de outubro de 2013
Março I
Entro no recinto de terra batida de braço dado com a minha mãe. Estou a olhar em frente, vejo primeiro uma feira, mercadores indianos e máquinas de algodão doce, logo depois vejo os carrosséis e atrás os carrinhos de choque. Eu tinha 5, 8, 10, 11 anos. É algures entre um e outro vislumbre que eu me transformo – mas em quê, se aquilo em que eu me transformo sou eu própria. Não sei dizer. O sentimento de lascívia é tão feroz que tenho a tentação de soltar o braço do braço da minha mãe (chego a movê-lo mas detenho-me).
Os feirantes gritam uns com os outros debaixo da música demasiado alta dos carrosséis, não falam com os visitantes. Tudo me atrai. Os carrosséis giram a uma velocidade assustadora. Olho em volta o espectáculo onde acabo de entrar. Um dos carrosséis tem uns assentos que sobem e descem rapidamente girando em volta ao mesmo tempo, cada um leva duas pessoas. As pessoas riem com as cabeças atiradas para trás e os cabelos a serem empurrados pela força do movimento. Lembro-me que andei nele. Uma viagem enfadonha, em que o medo, a vertigem e o enjoo deram lugar a uma angústia insuportável de que não consegui livrar-me nos dias a seguir. Andei uma vez em todos sempre com o mesmo resultado. Nos anos seguintes, sempre que a Feira de Março chegava à cidade, esquivava-me e andava apenas num para justificar a minha ida e disfarçar a minha vontade de falar com os feirantes, a única coisa que me interessava. Entrava numa chávena de chá que rodava sobre si própria enquanto o carrossel girava e serpenteava acima e abaixo num tapete de tábuas cheio de cavalos, Mickey's, comboios, patos. Gostava de ir sozinha. Solto o braço da minha mãe e dirijo-me a esse carrossel. Quero entrar mais fundo nas minhas recordações, quero voltar a entrar na chávena, voltar a entrar em mim. Vejo-a, subo para pisar pelo menos as tábuas brancas no chão. Já sinto os olhares sobre mim, tenho de regressar à minha mãe não a posso envergonhar. O meu esforço para não chamar a atenção é hercúleo, tal como antigamente. A garganta aperta-se-me, chega-me aos ouvidos um arrepio.
Reparo agora que desde que voltei a entrar neste recinto uma das coisas que mais me atrai é o pó. Tudo aqui dentro está imerso no pó que os nossos sapatos levantam, um pó seco, leve e branco. Vendem-se voltas, bilhetes, fichas, algodão doce, pipocas, farturas, e qualquer outra coisa que raramente consigo definir.
Estamos a sair da feira, as lembranças sucedem-se como imagens de um filme e eu começo à procura. Aí estão elas as casas dos feirantes. Casas sobre rodas. Casas onde desejei entrar.
Março II
Piso a lama do recinto da feira. Enquanto observo os sapatos enterrarem-se (primeiro prazer), penso na ironia desta feira vir à cidade precisamente no mês de Março. De um lado, estas tendas cheias de perigos (não falem com os feirantes, recomendação), lama, notas velhas de mão em mão, velocidade, do outro lado a chegada da Primavera, pujante e luminosa.
Assim que chego abandono-me como se tivesse acabado de chegar a uma solidão desejada. A feira dá-me a possibilidade de me iludir: cheguei ao futuro, já não vivo nesta cidade. Passo primeiro pelos mercadores de bugigangas, carrinhos de algodão doce e maçãs do amor, não paro. Tenho uma saia às riscas e uma blusa azul, o cabelo apanhado de lado. Ao meu lado de mão dada comigo vem a minha irmã, mais nova um ano. «Combinaste com alguém?». Mas a resposta dela não é a que espero «Hoje ninguém podia vir.». Faço a pergunta que se segue «Quanto dinheiro tens?». Contamos as moedas, não dará para muito mas sei que ela vai querer andar nos carrinhos de choque. Eu tenho medo, fico cá fora. Em torno da pista, sentados nos bancos, estão os rapazes. Vêm das aldeias e das outras escolas; há também os feirantes que nunca estão parados e são os únicos a circular dentro e fora da pista, gritando uns com os outros por causa do barulho das máquinas e da música e exibindo-se, com a pele queimada. É esse o meu momento. Quero vê-los exibir-se. Não vejo nada de belo em todo o recinto mas partilho com eles a animalidade em mim escondida e neles altiva e admiro-os.
Compramos duas fichas para o carrossel e entramos numa chávena de chá que rodopia sobre si própria. Ao sairmos a minha irmã encontra uma amiga e corre para fora do carrossel. Eu dou a volta para sair pelas escadas e aproveito para ir pela zona onde estão as máquinas, que fazem tudo funcionar. É este o meu local preferido. Podia vir à feira só para ouvir este som. Agachado na lama debaixo das tábuas brancas do carrossel encontro um rapaz sujo que fala com um pequeno cão, amarrado com uma corda pelo pescoço. Olha para mim com indiferença. Volta as costas e segue caminho por entre as carrinhas, eu congelo. Sigo-o com o olhar, perco-o, volto a encontrá-lo. Não quero voltar para casa.
Entro no recinto de terra batida de braço dado com a minha mãe. Estou a olhar em frente, vejo primeiro uma feira, mercadores indianos e máquinas de algodão doce, logo depois vejo os carrosséis e atrás os carrinhos de choque. Eu tinha 5, 8, 10, 11 anos. É algures entre um e outro vislumbre que eu me transformo – mas em quê, se aquilo em que eu me transformo sou eu própria. Não sei dizer. O sentimento de lascívia é tão feroz que tenho a tentação de soltar o braço do braço da minha mãe (chego a movê-lo mas detenho-me).
Os feirantes gritam uns com os outros debaixo da música demasiado alta dos carrosséis, não falam com os visitantes. Tudo me atrai. Os carrosséis giram a uma velocidade assustadora. Olho em volta o espectáculo onde acabo de entrar. Um dos carrosséis tem uns assentos que sobem e descem rapidamente girando em volta ao mesmo tempo, cada um leva duas pessoas. As pessoas riem com as cabeças atiradas para trás e os cabelos a serem empurrados pela força do movimento. Lembro-me que andei nele. Uma viagem enfadonha, em que o medo, a vertigem e o enjoo deram lugar a uma angústia insuportável de que não consegui livrar-me nos dias a seguir. Andei uma vez em todos sempre com o mesmo resultado. Nos anos seguintes, sempre que a Feira de Março chegava à cidade, esquivava-me e andava apenas num para justificar a minha ida e disfarçar a minha vontade de falar com os feirantes, a única coisa que me interessava. Entrava numa chávena de chá que rodava sobre si própria enquanto o carrossel girava e serpenteava acima e abaixo num tapete de tábuas cheio de cavalos, Mickey's, comboios, patos. Gostava de ir sozinha. Solto o braço da minha mãe e dirijo-me a esse carrossel. Quero entrar mais fundo nas minhas recordações, quero voltar a entrar na chávena, voltar a entrar em mim. Vejo-a, subo para pisar pelo menos as tábuas brancas no chão. Já sinto os olhares sobre mim, tenho de regressar à minha mãe não a posso envergonhar. O meu esforço para não chamar a atenção é hercúleo, tal como antigamente. A garganta aperta-se-me, chega-me aos ouvidos um arrepio.
Reparo agora que desde que voltei a entrar neste recinto uma das coisas que mais me atrai é o pó. Tudo aqui dentro está imerso no pó que os nossos sapatos levantam, um pó seco, leve e branco. Vendem-se voltas, bilhetes, fichas, algodão doce, pipocas, farturas, e qualquer outra coisa que raramente consigo definir.
Estamos a sair da feira, as lembranças sucedem-se como imagens de um filme e eu começo à procura. Aí estão elas as casas dos feirantes. Casas sobre rodas. Casas onde desejei entrar.
Março II
Piso a lama do recinto da feira. Enquanto observo os sapatos enterrarem-se (primeiro prazer), penso na ironia desta feira vir à cidade precisamente no mês de Março. De um lado, estas tendas cheias de perigos (não falem com os feirantes, recomendação), lama, notas velhas de mão em mão, velocidade, do outro lado a chegada da Primavera, pujante e luminosa.
Assim que chego abandono-me como se tivesse acabado de chegar a uma solidão desejada. A feira dá-me a possibilidade de me iludir: cheguei ao futuro, já não vivo nesta cidade. Passo primeiro pelos mercadores de bugigangas, carrinhos de algodão doce e maçãs do amor, não paro. Tenho uma saia às riscas e uma blusa azul, o cabelo apanhado de lado. Ao meu lado de mão dada comigo vem a minha irmã, mais nova um ano. «Combinaste com alguém?». Mas a resposta dela não é a que espero «Hoje ninguém podia vir.». Faço a pergunta que se segue «Quanto dinheiro tens?». Contamos as moedas, não dará para muito mas sei que ela vai querer andar nos carrinhos de choque. Eu tenho medo, fico cá fora. Em torno da pista, sentados nos bancos, estão os rapazes. Vêm das aldeias e das outras escolas; há também os feirantes que nunca estão parados e são os únicos a circular dentro e fora da pista, gritando uns com os outros por causa do barulho das máquinas e da música e exibindo-se, com a pele queimada. É esse o meu momento. Quero vê-los exibir-se. Não vejo nada de belo em todo o recinto mas partilho com eles a animalidade em mim escondida e neles altiva e admiro-os.
Compramos duas fichas para o carrossel e entramos numa chávena de chá que rodopia sobre si própria. Ao sairmos a minha irmã encontra uma amiga e corre para fora do carrossel. Eu dou a volta para sair pelas escadas e aproveito para ir pela zona onde estão as máquinas, que fazem tudo funcionar. É este o meu local preferido. Podia vir à feira só para ouvir este som. Agachado na lama debaixo das tábuas brancas do carrossel encontro um rapaz sujo que fala com um pequeno cão, amarrado com uma corda pelo pescoço. Olha para mim com indiferença. Volta as costas e segue caminho por entre as carrinhas, eu congelo. Sigo-o com o olhar, perco-o, volto a encontrá-lo. Não quero voltar para casa.
19 de outubro de 2013
Desde que abri os olhos são incomparavelmente
em maior número as coisas que não percebo do que aquelas que percebo e
perceber não tem a ver com identificação mas sim com uma certa
impassibilidade, que eu penso ser um termo mais justo do que
serenidade, sendo que seria pueril acreditar que só se percebe aquilo
de que se gosta. Depois há as que percebo com esforço, a seguir as que
percebo com paixão e a seguir as que só percebo, de forma tão imediata
que me apetece chamar de natural, tal como é natural respirar e beber
água. E suponho que funcionamos todos mais ou menos do mesmo modo, com
águas de fontes diferentes, de acordo com os nossos padrões e com as
idiossincrasias que não pudermos por de parte.
Por exemplo uma coisa que me diverte muito sempre que sai um filme do David Lynch são as conversas das pessoas sobre o seu significado. Na internet aparecem logo listas intermináveis de fóruns em várias línguas onde se discute cada cena, se fazem investigações, comparações, algumas bastantes interessantes, se propõem análises fantasiosas e extra-humanas (isto existe? Deve existir). Se bem que confesso, também me cansa rapidamente. Porque aquilo que eu vejo, pelo contrário, é da ordem da revelação, que é o que não precisa de explicações. Como um sonho a ser sonhado por muitos. O que me traz ao assunto que me interessa.
Há uma xilogravura de Katsushika Hokusai de cerca de 1820 chamada «O Sonho da Mulher do Pescador» que representa uma mulher em êxtase sexual provocado por dois polvos. Existem tantas interpretações sobre ela quantas forem as cabeças a pensar e eu conheço muito poucas. Tive conhecimento de algumas numa fase em que já conhecia a imagem há muito tempo e, tal como acontece com os filmes do Lynch, fui surpreendida pela intensa divergência de opiniões que causa, porque nunca me senti questionada por ela. Tenho tantas questões sobre esta imagem como sobre os desenhos de gatos do mesmo pintor, que são sublimes. Para mim a imagem é transparente: ela parou de pensar.
O que é o prazer? O que é o prazer para uma mulher? Como é que uma mulher tem prazer? Quando se sente validada. Fazer a cama e dobrar a roupa seca conta (não duvidem) mas não conta tanto quanto identificar quem está atrás dos véus. Diz-se que para ter prazer as mulheres precisam de se sentir seguras. Concordo. Mas a segurança não é sobre casas quentes no Inverno e passeios no Verão. A segurança é sobre atenção, cuidado (palavra rara), respeito e tempo. A segurança é sobre reconhecimento. Não reconhecimento do seu valor ou da sua importância (blá, blá, blá) mas reconhecimento da pessoa que se é. A roupa seca e a cama desfeita são tarefas - e chatas, nunca acreditei em ninguém que me dissesse que gostava de o fazer -, e o valor das pessoas numa sociedade pode ser medido pelo que se 'faz' mas para quem é que aquela pessoa 'existe'?
Uma partilha, qualquer partilha, é uma existência partilhada. Nada a menos e nada a mais. Por outras palavras, partilhar não é ser tolerado é ser celebrado.
E é escolher não ignorar da mesma forma que é escolher não ser ignorado. A mulher do pescador abandona-se ao prazer puro porque tudo nela é visto e porque aquele que vê se assume visto. O ver e o ser visto não são unilaterais. Havia alguém que dizia que ver é iluminar com o olhar. É isso. Se, como eu acho, ela parou de pensar, é porque alguém chegou ao lugar onde ela está, atrás dos arbustos com espinhos, e a tocou. Só que alguém teve de abrir a porta da torre. As mulheres são seres silenciosos mas existir em silêncio não é o mesmo que não existir. E a grande maioria das mulheres desiste do seu próprio prazer porque ele não é obtido numa noite de sexo nem com o companheiro de anos nem com o amante de uma noite. O prazer de uma mulher é uma coisa vasta que se constrói 24h sobre 24h, 365 dias por ano. Não acontece com um estalar de dedos. A boa notícia é que a parte técnica aprende-se.
Dito isto assim mal dito, desde que percebi que a imagem causa reacções fortes nas pessoas que a tenho usado para as descobrir. E tem sido muito revelador ver o asco, o sobressalto ou a perturbação que na maioria das vezes causa nos homens. As mulheres tentam esconder a rapidez com que começam a estudar a volúpia.
Por exemplo uma coisa que me diverte muito sempre que sai um filme do David Lynch são as conversas das pessoas sobre o seu significado. Na internet aparecem logo listas intermináveis de fóruns em várias línguas onde se discute cada cena, se fazem investigações, comparações, algumas bastantes interessantes, se propõem análises fantasiosas e extra-humanas (isto existe? Deve existir). Se bem que confesso, também me cansa rapidamente. Porque aquilo que eu vejo, pelo contrário, é da ordem da revelação, que é o que não precisa de explicações. Como um sonho a ser sonhado por muitos. O que me traz ao assunto que me interessa.
Há uma xilogravura de Katsushika Hokusai de cerca de 1820 chamada «O Sonho da Mulher do Pescador» que representa uma mulher em êxtase sexual provocado por dois polvos. Existem tantas interpretações sobre ela quantas forem as cabeças a pensar e eu conheço muito poucas. Tive conhecimento de algumas numa fase em que já conhecia a imagem há muito tempo e, tal como acontece com os filmes do Lynch, fui surpreendida pela intensa divergência de opiniões que causa, porque nunca me senti questionada por ela. Tenho tantas questões sobre esta imagem como sobre os desenhos de gatos do mesmo pintor, que são sublimes. Para mim a imagem é transparente: ela parou de pensar.
O que é o prazer? O que é o prazer para uma mulher? Como é que uma mulher tem prazer? Quando se sente validada. Fazer a cama e dobrar a roupa seca conta (não duvidem) mas não conta tanto quanto identificar quem está atrás dos véus. Diz-se que para ter prazer as mulheres precisam de se sentir seguras. Concordo. Mas a segurança não é sobre casas quentes no Inverno e passeios no Verão. A segurança é sobre atenção, cuidado (palavra rara), respeito e tempo. A segurança é sobre reconhecimento. Não reconhecimento do seu valor ou da sua importância (blá, blá, blá) mas reconhecimento da pessoa que se é. A roupa seca e a cama desfeita são tarefas - e chatas, nunca acreditei em ninguém que me dissesse que gostava de o fazer -, e o valor das pessoas numa sociedade pode ser medido pelo que se 'faz' mas para quem é que aquela pessoa 'existe'?
Uma partilha, qualquer partilha, é uma existência partilhada. Nada a menos e nada a mais. Por outras palavras, partilhar não é ser tolerado é ser celebrado.
E é escolher não ignorar da mesma forma que é escolher não ser ignorado. A mulher do pescador abandona-se ao prazer puro porque tudo nela é visto e porque aquele que vê se assume visto. O ver e o ser visto não são unilaterais. Havia alguém que dizia que ver é iluminar com o olhar. É isso. Se, como eu acho, ela parou de pensar, é porque alguém chegou ao lugar onde ela está, atrás dos arbustos com espinhos, e a tocou. Só que alguém teve de abrir a porta da torre. As mulheres são seres silenciosos mas existir em silêncio não é o mesmo que não existir. E a grande maioria das mulheres desiste do seu próprio prazer porque ele não é obtido numa noite de sexo nem com o companheiro de anos nem com o amante de uma noite. O prazer de uma mulher é uma coisa vasta que se constrói 24h sobre 24h, 365 dias por ano. Não acontece com um estalar de dedos. A boa notícia é que a parte técnica aprende-se.
Dito isto assim mal dito, desde que percebi que a imagem causa reacções fortes nas pessoas que a tenho usado para as descobrir. E tem sido muito revelador ver o asco, o sobressalto ou a perturbação que na maioria das vezes causa nos homens. As mulheres tentam esconder a rapidez com que começam a estudar a volúpia.
18 de outubro de 2013
Não é porque não se possa falar da saudade que evitamos fazê-lo. Não é tão pouco porque a dilaceração que ela traz ao corpo seja insuportável ao ponto de não a podermos nomear. Até a memória dos acontecimentos mais monstruosos encerra a alegria primitiva que nos trouxe até ao momento em que os lembramos. É isso que nos causa pudor. É isso que é insuportável.
17 de outubro de 2013
O dia em que cheguei a Lisboa também era branco. Era um fim de tarde de Novembro e eu não sabia onde estava. Desfiz a mala a correr e saí pela primeira vez, ansiosa e anestesiada. Queria ir até ao cruzamento com mais trânsito e ficar aí para ver como o dia mudava até ser noite, como eram as pessoas, saber se me perdia. Quando tinha feito cinco metros de rua dei de caras com o deus grego que eu observava ao longe na praia da Nazaré todos os verões.
O deus grego não era grego. Era um rapaz loiro de olhos muito azuis mais ou menos da minha altura cujos contornos poderiam ter sido esculpidos em mármore. Eu ficava siderada assim que ele aparecia na praia. Começava a tremer e de início tinha de ficar muito quieta. Penso que talvez fosse isso que eu temia nele — e eu temia-o, pois o nosso encontro deixava-me em silêncio. Eu achava que isso lhe dava um poder colossal sobre mim, que ele nunca poderia descobrir.
Portanto eu estava há um par de horas em Lisboa e o deus grego descia o passeio na minha direcção. Fiquei atónita, imóvel, o meu coração fez tic e depois já não fez tac. Julguei que era uma contingência tremenda, que ele passaria por mim sem me reconhecer. Mas não, o deus grego dirigiu-se a mim com um grande sorriso, abraçou-me e tcharam!: sabia o meu nome. Eu não sabia o dele.
Perguntou-me o que é que eu estava a fazer ali, se tinha vindo estudar para Lisboa (respondi com um sim) explicou que o pai dele trabalhava cá, era advogado, que os pais eram divorciados e que até ali ele tinha vivido com a mãe na Nazaré mas que agora que tinha vindo estudar ía ficar com o pai, só que ainda não sabia dizer se estava contente com isso ou não. Falava muito rápido, com um grande sorriso, as mãos tocaram-me nos braços várias vezes. Eu fiquei sempre na mesma posição e ao que me lembro com os olhos mais arregalados do mundo. Pensava: «Ele está feliz por me encontrar. Ele sabe o meu nome. Ele não só é bonito como está a estudar Sociologia.»
Querendo continuar tranquilamente a conversa, o deus grego convidou-me para tomar um café. Foi como se me tivessem dado um murro na cara. Senti-me desesperar na minha incredulidade. Agora era um fogo de artifício, com todo o seu ruído, que não me deixava pensar. «Ele está-te a convidar, ele quer passar tempo contigo.» Então tomei uma decisão com a plena consciência de estar a escolher entre dois caminhos na vida, uma coisa que não é todos os dias que acontece. Olhei directamente para os olhos dele, respondi «Não», voltei as costas e comecei a andar.
No segundo a seguir comecei a sentir a anestesia passar. As minhas pernas tremiam mas já não era por causa dele. Tive pena da tristeza que vi sobre o seu rosto, uma sombra assustadora que o envolveu inteiramente. Quis encontrar uma explicação para o que tinha acabado de fazer e não a tinha. Senti que Lisboa era uma cidade sem refúgios mas não sabia que qualidade havia a identificar nisso. A única coisa em que conseguia pensar era que ele vinha do passado e que, deus grego ou não, o meu passado terminava ali. Nunca o voltei a encontrar.
O deus grego não era grego. Era um rapaz loiro de olhos muito azuis mais ou menos da minha altura cujos contornos poderiam ter sido esculpidos em mármore. Eu ficava siderada assim que ele aparecia na praia. Começava a tremer e de início tinha de ficar muito quieta. Penso que talvez fosse isso que eu temia nele — e eu temia-o, pois o nosso encontro deixava-me em silêncio. Eu achava que isso lhe dava um poder colossal sobre mim, que ele nunca poderia descobrir.
Portanto eu estava há um par de horas em Lisboa e o deus grego descia o passeio na minha direcção. Fiquei atónita, imóvel, o meu coração fez tic e depois já não fez tac. Julguei que era uma contingência tremenda, que ele passaria por mim sem me reconhecer. Mas não, o deus grego dirigiu-se a mim com um grande sorriso, abraçou-me e tcharam!: sabia o meu nome. Eu não sabia o dele.
Perguntou-me o que é que eu estava a fazer ali, se tinha vindo estudar para Lisboa (respondi com um sim) explicou que o pai dele trabalhava cá, era advogado, que os pais eram divorciados e que até ali ele tinha vivido com a mãe na Nazaré mas que agora que tinha vindo estudar ía ficar com o pai, só que ainda não sabia dizer se estava contente com isso ou não. Falava muito rápido, com um grande sorriso, as mãos tocaram-me nos braços várias vezes. Eu fiquei sempre na mesma posição e ao que me lembro com os olhos mais arregalados do mundo. Pensava: «Ele está feliz por me encontrar. Ele sabe o meu nome. Ele não só é bonito como está a estudar Sociologia.»
Querendo continuar tranquilamente a conversa, o deus grego convidou-me para tomar um café. Foi como se me tivessem dado um murro na cara. Senti-me desesperar na minha incredulidade. Agora era um fogo de artifício, com todo o seu ruído, que não me deixava pensar. «Ele está-te a convidar, ele quer passar tempo contigo.» Então tomei uma decisão com a plena consciência de estar a escolher entre dois caminhos na vida, uma coisa que não é todos os dias que acontece. Olhei directamente para os olhos dele, respondi «Não», voltei as costas e comecei a andar.
No segundo a seguir comecei a sentir a anestesia passar. As minhas pernas tremiam mas já não era por causa dele. Tive pena da tristeza que vi sobre o seu rosto, uma sombra assustadora que o envolveu inteiramente. Quis encontrar uma explicação para o que tinha acabado de fazer e não a tinha. Senti que Lisboa era uma cidade sem refúgios mas não sabia que qualidade havia a identificar nisso. A única coisa em que conseguia pensar era que ele vinha do passado e que, deus grego ou não, o meu passado terminava ali. Nunca o voltei a encontrar.
13 de outubro de 2013
Barcos às dezenas no rio, pescadores, bicicletas, cães, carros, camiões, motas, aviões, comboios, gaivotas, música no café, filmes, conversas. Distraio-me com surpresa do livro por um som longínquo, de todos o mais comum: o restolhar cristalino de um monte de folhas secas que atribuo rapidamente ao vento e que algumas horas mais tarde descubro ser o esconderijo de uma lagartixa. Aconteceu apenas uma vez.
10 de outubro de 2013
Em
1998 fui para Paris onde vivi o que restava desse ano e os 3 anos
seguintes. Casei com um judeu filho de pai córsego e mãe nascida em
Marrocos, cuja avó, viúva de um prospector, vivia no 16ème e cuja tia
tinha desistido do seu laboratório premiado de astrofísica para criar
cabras e fazer queijo numa quinta no sul. Trabalhei e estudei em Paris e
tive a sorte descomunal de viajar. Conheci França de
uma ponta a outra à custa de muito enjoo no carro. Foi lá que vi uma
montanha pela primeira vez. Foi lá que vi um transexual pela primeira
vez. O francês tornou-se a minha segunda língua para descobrir que todos
os sonhos em francês são pesadelos. Quando chegou a altura de decidir
levei seis meses para ter a certeza de que queria regressar a Portugal.
De tudo o que vivi, de todos os rostos que conheci, todos os livros que trouxe, todas as histórias (e intensas que foram) que se acumularam, aquilo que recordo com mais vivacidade, e também com mais emoção, são os meus passeios solitários de dias inteiros pela cidade.
De tudo o que vivi, de todos os rostos que conheci, todos os livros que trouxe, todas as histórias (e intensas que foram) que se acumularam, aquilo que recordo com mais vivacidade, e também com mais emoção, são os meus passeios solitários de dias inteiros pela cidade.
8 de outubro de 2013
Começo a ler Walter Benjamin. Esperei o
tempo possível porque gosto de ler em silêncio. É difícil descrever o
que se encontra quando há encontro. Estou ainda no início, talvez as
palavras surjam entretanto, porque quero dizer: a descrição é a resposta
que me resta a um amor que está apenas a nascer. Hoje,
enquanto lia, ri. Um riso cristalino, profundo, comovido. O riso mais
raro que quase, quase, quase ninguém consegue ouvir.
Lembro-me perfeitamente
da primeira vez que uma pessoa o ouviu. Foi numa aula de filosofia no
12º ano, a primeira em que falávamos de Kant e lemos um parágrafo da
Crítica da Razão Pura, não me lembro qual. O professor lia, os alunos
estavam debruçados sobre os livros a acompanhar a leitura. Depois do
ponto final, dei uma grande gargalhada. Uma gargalhada generosa, sem
tirar os olhos do texto de que já procurava o início para reler. Como não se
tratava de uma anedota, os meus colegas riram também e disseram que eu
era mesmo tonta. Já o professor, ficou muito surpreendido. Olhou para
mim com olhos de quem também queria poder rir assim e disse: «Se ris é porque percebeste» e continuou a dar a aula. Foi quando também percebi, ou quando pensei a primeira vez, naquele, meu próprio, riso.
*Léo Férré, On est pas sérieux quand on a dix-sept ans.
6 de outubro de 2013
0. Um dia uma parte do corpo começa a doer ao levantar, a frase no livro que gostámos tanto de ler enterrou-se não se sabe onde, pensamos que temos de correr para apanhar aquele autocarro e abrandamos o passo. Enquanto esses eventos não se destacam ainda dos outros, até quando intocados, descobrimos através deles que começámos a envelhecer.
1. Em menos de 24h dois acontecimentos levam-me à amarga constatação que nunca vi um grão de trigo. Eu que quero ver todas as montanhas do mundo, que gostava de ver um deserto de gelo e um de fogo, que quero ler quanto conseguir, que quero aprender outra língua e a tocar um instrumento antes de morrer e que aprendi a nadar no ano passado só para saber o que era isso, nunca vi um grão de trigo. Quase me envergonho. Não passo do quase porque de facto ainda não morri e sei onde há campos de trigo.
2. Sei que um dia destes vou fazer alguém passar vergonha no cinema. É a segunda vez que me acontece. Estou a ver os pescadores e a pesca no écrã, cânticos, força, água, sangue, peles queimadas. No regresso da faina, um grupo em pé em cima de um dos barcos acena à câmara. Suprimo a tempo o meu acenar de resposta.
3. Num dos barcos os sons raptam-me. Gaivotas, cordas a passar por metal, metal a girar sobre metal, metal a chocalhar, um motor. Sou chamada e não sei onde estou.
4. Os pastores fazem queijo de cabra. Sinto um nó atar-se na alma e renego todos os supermercados onde tenho posto os pés. Prometo a mim mesma que farei uma refeição de queijo de cabra, pão caseiro, uvas brancas, nozes e vinho.
5. Num dos filmes vejo uma figueira só com folhas novas. Pergunto-me se isso ainda existe.
6. É uma festa para comemorar o início da Primavera, cortam uma árvore e tiram-lhe a casca no cimo de um monte para a trazer para baixo para a aldeia e voltar a erguê-la. As mulheres esperam os homens no vale com um piquenique. Entre as crianças há uma que não se distrai com a câmara, olha para dentro a comer um naco de pão. Está a pensar e eu penso que talvez ela pense em cinema.
7. No fim da festa nenhum som. Esse som que tantas insónias me trouxe.
O Mundo Perdido de Vittorio De Seta (Curtas-metragens de Vittorio De Seta 1954-1959), hoje na Cinemateca Portuguesa.
1. Em menos de 24h dois acontecimentos levam-me à amarga constatação que nunca vi um grão de trigo. Eu que quero ver todas as montanhas do mundo, que gostava de ver um deserto de gelo e um de fogo, que quero ler quanto conseguir, que quero aprender outra língua e a tocar um instrumento antes de morrer e que aprendi a nadar no ano passado só para saber o que era isso, nunca vi um grão de trigo. Quase me envergonho. Não passo do quase porque de facto ainda não morri e sei onde há campos de trigo.
2. Sei que um dia destes vou fazer alguém passar vergonha no cinema. É a segunda vez que me acontece. Estou a ver os pescadores e a pesca no écrã, cânticos, força, água, sangue, peles queimadas. No regresso da faina, um grupo em pé em cima de um dos barcos acena à câmara. Suprimo a tempo o meu acenar de resposta.
3. Num dos barcos os sons raptam-me. Gaivotas, cordas a passar por metal, metal a girar sobre metal, metal a chocalhar, um motor. Sou chamada e não sei onde estou.
4. Os pastores fazem queijo de cabra. Sinto um nó atar-se na alma e renego todos os supermercados onde tenho posto os pés. Prometo a mim mesma que farei uma refeição de queijo de cabra, pão caseiro, uvas brancas, nozes e vinho.
5. Num dos filmes vejo uma figueira só com folhas novas. Pergunto-me se isso ainda existe.
6. É uma festa para comemorar o início da Primavera, cortam uma árvore e tiram-lhe a casca no cimo de um monte para a trazer para baixo para a aldeia e voltar a erguê-la. As mulheres esperam os homens no vale com um piquenique. Entre as crianças há uma que não se distrai com a câmara, olha para dentro a comer um naco de pão. Está a pensar e eu penso que talvez ela pense em cinema.
7. No fim da festa nenhum som. Esse som que tantas insónias me trouxe.
O Mundo Perdido de Vittorio De Seta (Curtas-metragens de Vittorio De Seta 1954-1959), hoje na Cinemateca Portuguesa.
29 de setembro de 2013
O que me interessa na linguagem - qualquer forma de linguagem - é a sua relação com o silêncio. O que me interessa no silêncio é a ausência de relação que o caracteriza e que dá forma em nós ao desejo de dizer. Talvez não haja música sem ouvinte. Mas o que há de mais profundo é silêncio, que não procede nem prossegue, não existe nem é nada porquanto o que é não tem relação com o tempo. E no entanto, não sei como nem onde, está em mim.
17 de setembro de 2013
O meu primeiro beijo foi roubado. Ele chamava-se Ivo. Era um rapaz de aparência rude, pequeno, com orelhas grandes e cheio de sardas. Achava-o muito bruto e como ele deitava perdigotos nunca brincava com ele, aliás, evitava estar perto dele. Mas como as crianças e os pássaros andam sempre em bando, fui como toda a gente à festa de aniversário dele. Levava o meu vestido de fazenda cor-de-rosa, a estrear, que eu tinha ajudado a desenhar, e um laço no cabelo.
O Ivo morava num castelo. Não estou a inventar nem a ser metafórica, o Ivo morava num castelo com masmorras e torres e portas pesadas de madeira, paredes e chão de pedra, um poço, alçapões, lareiras do tamanho de casas, num sítio onde demorámos muito tempo a chegar. Com o olho à janela fui perdendo de vista as casas e quando chegámos a paisagem tinha o esplendor inóspito dos sobreiros que parecem reafirmar com prepotência o vazio em redor. Ao sair do carro, quando vi o castelo pela primeira vez, parei de pensar.
À porta para nos receber estava uma mulher grande, alta, de formas exuberantes, com o cabelo muito loiro (e como era a primeira vez que estava a ver cabelos pintados pensei Porque é que o Ivo não é loiro) e muito comprido, vestida com roupas modernas, os lábios pintados de vermelho, os olhos de azul, com pulseiras e colares, um cigarro sempre na mão, e cuja voz era demasiado grossa e rouca para uma mulher. Era a mulher mais bela que tinha visto. Parecia irreal. Era hipnotizante. Onde ela estava, o ar era raro. No interior, uma sala com sofás de veludo verde. Ela, sorrindo efusivamente, dava a boas vindas aos pais e dizia às crianças que tudo era permitido.
Brincámos até ser noite. Subimos à torre para ver o mundo, jogámos às escondidas na masmorra. Um caçador mostrou-nos as armas. Comemos tantos doces que julguei não voltar a ter fome. E vi o Ivo andar de cavalo, o que antes de significar que eu estava doida quase fez dele um rapaz giro.
À hora de jantar fomos cantar os parabéns. Toda a gente se reuniu à volta da mesa e eu estranhei ver a minha mãe ao lado da mulher loira. Muito composta e bem comportada, fiquei ao fundo da mesa, do lado oposto ao bolo e portanto oposto também ao lugar do Ivo. E eis que a minha mãe me chama para ir para perto dele. Disse que não o mais discretamente possível com a cabeça. Disse que não com a cabeça e com os olhos. Disse que não com a cabeça, com os olhos e com o corpo. E fui.
Enquanto cantávamos os parabéns, fiquei ao lado dele a sentir-me uma jarra, uma jarra contrariada, com a luz das velas a iluminar a zanga e o embaraço que eu queria esconder. Foram segundos até que no momento de apagar as velas, em vez de as apagar, o Ivo se volta para mim e me dá um beijo na boca. Afastei-o com todas as minhas forças, olhei-o nos olhos, gritei não e corri dali para fora. Ainda hoje me lembro da humidade. E não é do castelo.
O Ivo morava num castelo. Não estou a inventar nem a ser metafórica, o Ivo morava num castelo com masmorras e torres e portas pesadas de madeira, paredes e chão de pedra, um poço, alçapões, lareiras do tamanho de casas, num sítio onde demorámos muito tempo a chegar. Com o olho à janela fui perdendo de vista as casas e quando chegámos a paisagem tinha o esplendor inóspito dos sobreiros que parecem reafirmar com prepotência o vazio em redor. Ao sair do carro, quando vi o castelo pela primeira vez, parei de pensar.
À porta para nos receber estava uma mulher grande, alta, de formas exuberantes, com o cabelo muito loiro (e como era a primeira vez que estava a ver cabelos pintados pensei Porque é que o Ivo não é loiro) e muito comprido, vestida com roupas modernas, os lábios pintados de vermelho, os olhos de azul, com pulseiras e colares, um cigarro sempre na mão, e cuja voz era demasiado grossa e rouca para uma mulher. Era a mulher mais bela que tinha visto. Parecia irreal. Era hipnotizante. Onde ela estava, o ar era raro. No interior, uma sala com sofás de veludo verde. Ela, sorrindo efusivamente, dava a boas vindas aos pais e dizia às crianças que tudo era permitido.
Brincámos até ser noite. Subimos à torre para ver o mundo, jogámos às escondidas na masmorra. Um caçador mostrou-nos as armas. Comemos tantos doces que julguei não voltar a ter fome. E vi o Ivo andar de cavalo, o que antes de significar que eu estava doida quase fez dele um rapaz giro.
À hora de jantar fomos cantar os parabéns. Toda a gente se reuniu à volta da mesa e eu estranhei ver a minha mãe ao lado da mulher loira. Muito composta e bem comportada, fiquei ao fundo da mesa, do lado oposto ao bolo e portanto oposto também ao lugar do Ivo. E eis que a minha mãe me chama para ir para perto dele. Disse que não o mais discretamente possível com a cabeça. Disse que não com a cabeça e com os olhos. Disse que não com a cabeça, com os olhos e com o corpo. E fui.
Enquanto cantávamos os parabéns, fiquei ao lado dele a sentir-me uma jarra, uma jarra contrariada, com a luz das velas a iluminar a zanga e o embaraço que eu queria esconder. Foram segundos até que no momento de apagar as velas, em vez de as apagar, o Ivo se volta para mim e me dá um beijo na boca. Afastei-o com todas as minhas forças, olhei-o nos olhos, gritei não e corri dali para fora. Ainda hoje me lembro da humidade. E não é do castelo.
16 de setembro de 2013
Há dois tipos de crise: aquela que procede da angústia e é uma explosão de revolta pela constatação de que as coisas são irrevogavelmente distantes da sua origem e aquela que é trazida pela luz, a claridade ou a dolorosa ausência de sombras das imagens que concede acesso ao horror. Nenhuma crise é mais terrível do que o amor puro.
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