O dia em que cheguei a Lisboa também era branco. Era um fim de tarde de Novembro e eu não sabia onde estava. Desfiz a mala a correr e saí pela primeira vez, ansiosa e anestesiada. Queria ir até ao cruzamento com mais trânsito e ficar aí para ver como o dia mudava até ser noite, como eram as pessoas, saber se me perdia. Quando tinha feito cinco metros de rua dei de caras com o deus grego que eu observava ao longe na praia da Nazaré todos os verões.
O deus grego não era grego. Era um rapaz loiro de olhos muito azuis mais ou menos da minha altura cujos contornos poderiam ter sido esculpidos em mármore. Eu ficava siderada assim que ele aparecia na praia. Começava a tremer e de início tinha de ficar muito quieta. Penso que talvez fosse isso que eu temia nele — e eu temia-o, pois o nosso encontro deixava-me em silêncio. Eu achava que isso lhe dava um poder colossal sobre mim, que ele nunca poderia descobrir.
Portanto eu estava há um par de horas em Lisboa e o deus grego descia o passeio na minha direcção. Fiquei atónita, imóvel, o meu coração fez tic e depois já não fez tac. Julguei que era uma contingência tremenda, que ele passaria por mim sem me reconhecer. Mas não, o deus grego dirigiu-se a mim com um grande sorriso, abraçou-me e tcharam!: sabia o meu nome. Eu não sabia o dele.
Perguntou-me o que é que eu estava a fazer ali, se tinha vindo estudar para Lisboa (respondi com um sim) explicou que o pai dele trabalhava cá, era advogado, que os pais eram divorciados e que até ali ele tinha vivido com a mãe na Nazaré mas que agora que tinha vindo estudar ía ficar com o pai, só que ainda não sabia dizer se estava contente com isso ou não. Falava muito rápido, com um grande sorriso, as mãos tocaram-me nos braços várias vezes. Eu fiquei sempre na mesma posição e ao que me lembro com os olhos mais arregalados do mundo. Pensava: «Ele está feliz por me encontrar. Ele sabe o meu nome. Ele não só é bonito como está a estudar Sociologia.»
Querendo continuar tranquilamente a conversa, o deus grego convidou-me para tomar um café. Foi como se me tivessem dado um murro na cara. Senti-me desesperar na minha incredulidade. Agora era um fogo de artifício, com todo o seu ruído, que não me deixava pensar. «Ele está-te a convidar, ele quer passar tempo contigo.» Então tomei uma decisão com a plena consciência de estar a escolher entre dois caminhos na vida, uma coisa que não é todos os dias que acontece. Olhei directamente para os olhos dele, respondi «Não», voltei as costas e comecei a andar.
No segundo a seguir comecei a sentir a anestesia passar. As minhas pernas tremiam mas já não era por causa dele. Tive pena da tristeza que vi sobre o seu rosto, uma sombra assustadora que o envolveu inteiramente. Quis encontrar uma explicação para o que tinha acabado de fazer e não a tinha. Senti que Lisboa era uma cidade sem refúgios mas não sabia que qualidade havia a identificar nisso. A única coisa em que conseguia pensar era que ele vinha do passado e que, deus grego ou não, o meu passado terminava ali. Nunca o voltei a encontrar.