Nessa tarde, tomou um comprimido para dissipar a angústia que a devorava sem que conseguisse determinar a sua origem. Tomou-o sem convicção, apesar de ter hesitado durante vários dias em fazê-lo, a mesma falta de convicção que lhe parecia contaminar todos os atos que, força da rotina ou da vontade, realizava. Ponderou por instantes se seria essa ausência de convicção o motivo da angústia que a consumia, mas como seria possível saber qual delas nascia da outra? Não, tinha de haver outra razão. Algo estava a mudar, algo que não era, para o seu olhar atento, absolutamente imperceptível. Dirigindo-se à sala, reparou no grande silêncio daquela tarde de verão. Apenas se escutava o vento a passar por entre a folhagem das duas árvores diante da casa, fazendo as copas balançar-se ligeiramente e tocarem-se. O calor da rua não ganhava contra o fresco da casa, cuja penumbra era entrecortada por finos raios amarelos em direção ao chão perto da janela. O seu corpo parecia arrastar-se sugado por um peso obscuro que, nada dizia o contrário, podia ser o reflexo da angústia que a atormentava. Tinha de ir à loja se queria jantar, lembrou-se, e decidiu fazê-lo imediatamente. Observou enquanto se vestia como os membros do seu corpo eram como que atraídos para o solo e assim, mesmo contra a sua vontade, se moviam lentamente. No entanto, não tinha sono, não se sentia indolente, pelo contrário, a sua mente estava disponível, alerta, analítica, mas também serena, como um barco cheio de redes à beira-rio se prepara para a pescaria. Esse era, aliás, um dos sinais da angústia: como podia estar tão vigilante e ao mesmo tempo ter um corpo que não responde? Chamou o elevador e ficou, como sempre acontecia, a olhar para a luz verde do botão de chamada. Quando as portas se abriram olhou-se ao espelho pela primeira vez naquele dia. A tez estava pálida, tinha sulcos azuis abaixo dos olhos, os lábios eram quase indistintos, dois riscos profundos contornavam-lhe o pescoço, o cabelo, pintado, mostrava as raízes brancas, pois nos últimos tempos, causa da lassidão, se tinha descurado com o seu cuidado. «Se estamos a envelhecer desde o dia que nascemos, não é envelhecer que é triste, como se costuma dizer amiúde entre risos», pensou. «No entanto, se a um tempo da vida tudo me acrescentava em vez de me diminuir, a partir deste momento deixou de ser assim. Algo mudou e o que mudou, para ficar, porta a angústia, sim, a tristeza, que me tomou». Estava à deriva entre os corredores do supermercado com estes pensamentos fazendo um esforço hercúleo para se lembrar do que precisava de comprar, mas agora com certa leveza, pois qualquer coisa fazia sentido. Houve um tempo em que tudo era possível e esse tempo tinha definhado. Por muito que se dissesse que ainda tinha muito que fazer, reconhecia ao mesmo tempo que o fulgor da juventude não tinha produzido nada. O que restava da rapariga que fora aos dezassete anos? Sozinha, sem paixões, a vida era agora como o campo abandonado de uma festa, com as fitas coloridas no chão, os balões rebentados, os copos largados, as beatas amassadas e, em breve, seria o seu mundo a morrer. Era nisto em que pensava enquanto esperava na fila para pagar, quando subitamente, uma bela mulher, que já tinha visto uma vez, passa ao seu lado entrando no supermercado. «Agora só o amor te poderá salvar», pensa, «mas com essa cara macilenta não vais atrair ninguém». A felicidade não se torna habitual para ninguém, mas sim a sombra, concluía. A peste negra alastrava e corroía toda a alegria instalando a indiferença, a frieza e o distanciamento. Ou talvez sempre tivessem estado lá e era apenas a camada de tinta que as escondia que, aos poucos, desaparecia. Dizem que estamos vivos, mas na verdade somos apenas uma multidão muda e sem saída.