26 de junho de 2018
boa parte da minha vida mental é passada a pensar em lugares onde nunca estive. sempre foi assim. quando era criança pensava que queria conhecer os desertos e quando era adolescente era ainda com os desertos — de fogo e de gelo —, mas também com as florestas e com os oceanos que sonhava. contudo, conta-se pelos dedos de uma mão as vezes que saí de Portugal. a falta de dinheiro, pelo menos assim avalio, impediu-me de viajar com a frequência que desejei. quando pude, no entanto, viajei dentro de Portugal e há ainda muitas viagens que gostaria de fazer pelo país: dormir no Palácio Hotel do Buçaco, por exemplo, ir ao Pulo do Lobo, em Mértola, ou conhecer os Açores e a Madeira. recentemente, porém, dei por mim a pensar no que iria eu fazer a Nova Iorque, à cordilheira dos Andes ou ao monte Evereste. percebi então que gosto das pequenas viagens, com um ojetivo preciso e circunscrito: assistir ao festival de ópera de Bayreuth. conhecer a casa onde Virginia Woolf escreveu. fazer praia numa pequena ilha grega e de lá não sair. ir às catacumbas em Roma. viajante solitária, de resto, por parolo que isso possa parecer, é em Portugal que quero estar, entre os costumes que conheço, a língua que falo, a paisagem que por aqui se avista. não me chama ir ao gigante Japão, à Índia, à Austrália, sequer ao Brasil. são, com toda a certeza, países belos, lugares cheios de maravilhas, enfim, simplesmente (e isso me basta) lugares onde nos podemos confrontar com o Outro. sendo eu própria uma imigrante, pergunto-me muitas vezes na minha vida em Lisboa até que ponto estou aberta à diferença e, a bem da verdade, por ignorância ou por puro preconceito, nem sempre a resposta é satisfatória. porque se viaja? para romper com a rotina, para nos enriquecermos espiritual e culturalmente, para nos libertarmos de padrões, para aprendermos a perder-nos. conheci em tempos um ministro do Mali que me disse que, na aldeia onde nasceu, o mais sábio não é aquele que mais viveu, mas sim aquele que saiu mais vezes da sua aldeia. Adama Samassekou acrescentou então que queria estar «nenhures, onde estão as pessoas e o esquecemos» (nulle part, là où sont les gens et qu'on oublie). a frase atravessou-me como um clarão e nunca a esqueci. percebi subitamente que iria sempre preferir os lugares onde não há nada para encontrar as coisas.