Em agosto de 1937, os fragmentos de um Kouros de mármore foram
transportados em três caixas para o Museu Arqueológico Nacional de
Atenas, em Paris, onde agentes da polícia gregos o receberam da parte do
marchand M. Roussos, que residiu na cidade durante algum
tempo. Não foi senão mais tarde que o contrabando da estátua foi
confirmado, tendo saído de Anavissos, perto de Lavrion, uma cidade na parte sudeste da Ática,
na Grécia, por mar, um distrito escassamente povoado cuja costa foi
durante anos palco de um sistemático tráfico em antiguidades. Do grego
κοῦρος,
que significa jovem ou rapaz, um Kouros designa um tipo de estátua da
Grécia Antiga representando um jovem do sexo masculino. De pé, nu, com
longos cabelos encaracolados e com o chamado sorriso arcaico, típico da escultura grega deste período (50 a.C. a 500 a.C.), o nome tanto era associado
a imagens de jovens homens nus como a um jovem adolescente
imberbe, tendo ainda sido utilizado por Homero para se
referir a jovens soldados. Podendo atingir três vezes a estatura humana,
têm a cabeça
erguida e os olhos direcionados para o ponto de vista do observador.
Estas estátuas surgem em templos como oferendas votivas, ou em
cemitérios, em túmulos de cidadãos importantes, embora nunca representem
pessoas reais: com a rigidez da representação formal, os seus rostos
não são retratos. Esculpidos em mármore, apenas os mais abastados podiam
pagar a escultores por obras deste valor e assim, os Kouros tornaram-se
o símbolo da riqueza e do poder da classe aristocrática grega.
Provavelmente tendo sido desenterrado de um túmulo, o Kouros de
Anavissos tem 1,94 de altura e possui a seguinte inscrição:
Στηθι και οικτιρον: κροισο παρα σημα θανοντοσ: ον ποτ’ ενι προμαχοισ: ωλεσε θουροσ: αρησ
(Detém-te e lamenta junto a este monumento pelo defunto Kroisos, que ao
guerrear na vanguarda foi morto pelo violento Ares).
Em 1983,
Joël-Peter Witkin,
um artista
nova-iorquino cujas fotografias encenadas e construídas retratam cenas
macabras, muitas vezes grotescas, fotografou Lisa Lyon, uma famosa
halterofilista e modelo, como o Kouros de Anavissos, completo, com um
pedestal de dois níveis. Lisa Lyon é considerada uma pioneira do
halterofilismo feminino. Depois de se interessar pelo kendo, a
arte japonesa da esgrima, e tendo entendido que lhe faltava força na
parte superior do corpo, Lyon começou a treinar com pesos e, em junho de
1979, vence aquela que foi a única competição da sua carreira, o
Campeonato Mundial de Halterofilismo Feminino. Em 1980, Mapplethorpe começou a documentar o seu corpo, mas Lisa foi também modelo para Helmut Newton e Marcus Leatherdale.
À data em que conhece Witkin, já apareceu em filmes,
em muitas revistas, incluindo a Playboy, e em programas de televisão, promovendo o culturismo para mulheres. Assemelhando-se a uma escultura congelada na argamassa cinza de uma impressão de gelatina prateada, nesta fotografia está
de
pé, com os punhos fechados pendidos de cada lado e uma das pernas
ligeiramente avançada e fletida para indicar um passo à frente, tal como
a estátua original — para os gregos, só pensa quem caminha. Facilmente a mais intimidadora
dos dois guardas, como que para intensificar a ambiguidade e evidenciar as características masculinas, ao contrário do Kouros de Anavissos, o seu sexo permanece na sombra e o seu rosto volúvel deixa de pertencer a este mundo.
|
Joël-Peter Witkin, Lisa Lyon as the Anavyssos Kouros, 1983. |