O conflito dá movimento à história. Abdicar dele é abdicar de uma história possível, especialmente do que traria à nossa própria deriva.
18 de novembro de 2023
14 de novembro de 2023
Tenho muita vontade de escrever sobre as coisas que odeio. Escrever sobre aquilo que se ama é fácil, o amor traz em si uma elevação mesmo que insistamos em falar dele da maneira mais perversa e violenta. Não sei porquê, talvez porque a poesia esteja naturalmente instalada nas afinidades e a volúpia, embora escondida, seja conhecida de todos. Aquilo que odeio, contudo, não só está à mostra como pertence à mais pura vulgaridade, é banal, e é muito difícil escrever sobre isso sem soar igualmente medíocre. É como se a abjeção me arrastasse para dentro dela cada vez que a nomeio. Mas se a afasto, volto a vê-la à superfície, fala-me constantemente. Amar é raro, mas odiar? O ódio é universal, está em toda a parte, é a nossa mais íntima ligação ao mundo. E que se desengane quem pensar que na infância não temos senão sentimentos puros, virtuosos e imaculados. O ódio existe na infância de modo mais feroz do que em qualquer outra idade porque não tem contraponto, assim que nasce é inteiramente arremessado ao seu destinatário, sem perguntas, sem críticas, sem culpa. Nascemos a amar os nossos pais sem razão e impercetivelmente passamos um dia a odiá-los. Há ódios que demoram anos a formar-se, a declarar-se, muitos de que dificilmente acabamos por tomar consciência. O ódio é o trabalho de uma vida. Claro que também nos odiamos a nós próprios, às vezes mais do que qualquer outra coisa odiamo-nos a nós próprios e é nesse ódio que se baseia o nosso comportamento, todas as nossas decisões, a forma como vemos o nosso tempo, os outros, o futuro. Que material mais rico pode haver?
13 de novembro de 2023
11 de novembro de 2023
7 de novembro de 2023
6 de novembro de 2023
29 de outubro de 2023
— O Dumbo voa com as orelhas.
24 de outubro de 2023
Deleuze e Guattari, Mille Plateaux.
22 de outubro de 2023
Io sono una forza del Passato.
Solo nella tradizione è il mio amore.
Vengo dai ruderi, dalle chiese,
dalle pale d’altare, dai borghi
abbandonati sugli Appennini o le Prealpi,
dove sono vissuti i fratelli.
Giro per la Tuscolana come un pazzo,
per l’Appia come un cane senza padrone.
O guardo i crepuscoli, le mattine
su Roma, sulla Ciociaria, sul mondo,
come i primi atti della Dopostoria,
cui io assisto, per privilegio d’anagrafe,
dall’orlo estremo di qualche età
sepolta. Mostruoso è chi è nato
dalle viscere di una donna morta.
E io, feto adulto, mi aggiro
più moderno di ogni moderno
a cercare fratelli che non sono più.
21 de outubro de 2023
18 de outubro de 2023
Uma Espectografia publicada em GHOST: montagens, peças visuais, pequenos ensaios ou exercícios de escrita sobre fantasmas, fantasmagorias, sombras, espectros…
17 de outubro de 2023
No início do verão, no jardim da Estrela, esvaziaram os lagos, suponho que para limpar as esculturas grafitadas com palavras em cores fluorescentes. As esculturas voltaram a ser brancas, os lagos encheram, o fundo voltou a ficar escuro, acumulando restos de rações, fezes, urina, folhas, galhos, raízes e algas que maldigo há anos. Neste dia, porém, depois de um verão inteiro a desejar mergulhar neles os pés, como fazemos nos lagos cristalinos e apetecíveis do Campo Mártires da Pátria, esse fundo imundo e esses sedimentos hediondos parecem-me indescritivelmente belos. Dificilmente o teria confessado se não tivesse a avassaladora vontade de o registar, de tal forma confrangida por sempre me ter repugnado olhar para os depósitos no fundo do lago. Enquanto saio lentamente do sítio onde passei a tarde, opostos ao que tenho a convicção de conhecer da minha identidade — que estimo em mim aquilo que outros considerariam repugnante, mas também que conservo uma pureza impenetrável numa vida que é implacavelmente sórdida —, estes sedimentos castanhos associam-se num inesperado golpe surdo ao amontoado de frases estagnadas que há anos acalento e às quais vou acrescentando um sinal, uma palavra, uma sensibilidade, procurando, temendo, enfim, desesperando, que a algazarra se desfaça, desapareça e me abandone. Saí de lá de noite esta semana e desde o final da tarde umas colunas gigantes à entrada do jardim do lado da Basílica expeliam a preparação sonora para uma festa à qual, pouco a pouco, chegavam adolescentes magros vestidos e pintados de negro. Num jardim tão pequeno, onde sequer é possível deixar de ouvir o rumor do trânsito, agora também vai sendo impossível ouvir as folhas, os pássaros, o som dos nossos próprios passos. Duas raparigas acabam de entrar, caminham à minha frente em direção à festa. Têm o cabelo platinado e o espaço em torno dos olhos negro. Não sei se são estrangeiras ou portuguesas, turistas ou residentes, não sei que idade têm. Uma delas olha para mim, mas não leio nada no olhar dela. No recinto do café, os dj's esticam os pescoços para olhar para a entrada, apavorados por estar tão pouca gente, e também passam os olhos pelos meus olhos, mas não leem nada. Sou tentada a parar à frente da festa, entrar por ali dentro a tirar fotografias às colunas — proibidas — e ir a correr para casa fazer uma denúncia. Mas não faço nada disso. Continuo a caminhar lentamente em direção à saída. Ainda não chove, não está nevoeiro, também não está frio, sinto falta de castanhas a assar.