7 de maio de 2023
4 de maio de 2023
2 de maio de 2023
8 de abril de 2023
12 de março de 2023
3 de março de 2023
22 de fevereiro de 2023
21 de fevereiro de 2023
20 de fevereiro de 2023
18 de fevereiro de 2023
Dois filmes sobre um combate a um incêndio que ardeu ao longo de 70 dias num furo de petróleo em 1958, transformam-se numa alegoria sobre a relação do homem com a terra e com os seus elementos, sobre a nossa burlesca, absurda e insensata espoliação do que está acima, e mais acima, e do que está abaixo, do que está mais abaixo ainda e mais longe e mais abaixo ainda, e, ao mesmo tempo, sobre a nossa adaptabilidade, a nossa capacidade de superação, a firmeza, e certamente também a loucura, em enfrentar as catástrofes. No primeiro filme a preto e branco, uma descrição do acontecimento, rapidamente se percebe (logo nas primeiras imagens, na verdade) que o que estamos a ver excede a mera enumeração. No segundo filme, a cores, que tem a colaboração de Forough Farrokhzad, e a que chamaram simplesmente YEK ATASH, Um fogo, a matéria que vemos troca de lugar com o corpo que vê. Para além da cor, uma cor que ela própria ferve, é um filme com mais silêncios do que o primeiro. São silêncios com a sua própria monstruosidade, que lançam as chamas e o seu odor sobre a plateia e enchem pesadamente a sala, mas que também têm qualquer coisa de abrupto e desajeitado, como uma fala que guardámos demasiado tempo e que finalmente explode quando menos nos preparávamos para a pronunciar.
12 de fevereiro de 2023
5 de fevereiro de 2023
26 de janeiro de 2023
Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor. Essa palavra de luxo.
Adélia Prado
22 de janeiro de 2023
Uma semana na cidade onde nasci. Caminho em ruas conhecidas que desembocam em ruas que as obras, as construções e as demolições desfiguraram e me devolvem com dureza a imagem de acontecimentos importantes cujo lugar desapareceu totalmente. Há muitas casas em ruínas, algumas semi-demolidas para precaver desabamentos no passeio. Há ruas onde me custa passar porque me apetece ficar, ruas onde passo vagarosamente para observar e outras onde passo a correr, suspendendo a respiração para não ser contaminada por nenhuma memória. De porta em porta, a infeliz constatação de que o comércio no centro histórico continua a fechar é partilhada com a surpreendente sobrevivência de lojas que permanecem iguais há 30 anos e mais. As lojas abandonadas, cujas montras estão tapadas com jornais desbotados do início do século, não foram substituídas, nada surgiu no lugar delas, nem outros negócios nem casas. O rio vai cheio. Quase a transbordar depois das chuvas deste inverno, a água é verde e branca, como se as mulheres ainda viessem lavar. Aceno com carinho ao meu cunhado quando os nossos olhares inesperadamente se encontram através de uma janela, eu na rua e sem destino, ele no seu escritório a trabalhar desde cedo. O sentimento consolador de poder ver a minha família todos os dias e a qualquer hora é tão raro que me parece que a cidade nos pertence. Tenho prazer em percorrer a cidade a pé, mas não quero cruzar-me com ninguém. As conversas apressadas e aborrecidas (abomino o afã que leva ao lugar comum) com pessoas com quem não convivo há 27 anos, limitam-se quase todas aos tradicionais votos de fim de ano ou aos tradicionais inquéritos que exibem a consternadora hesitação entre serem dirigidos a uma fulgurante adolescente e também a uma mulher com cabelos brancos, solteira e sem filhos. Um amigo de quem me afastei há muito, chora com a frieza da minha resposta à incompreensível exigência Porque é que nunca apareces? Não me comovo e já não fico assustada por não me comover. Enquanto me afasto, gozo o conforto de talvez ter conseguido resolver a coisa pela raiz. Arranco a alegria a um corpo arrebatado pela deriva. Quem fui eu? Aquela que quis partir. Resta alguma coisa dela? Uma semana, uma missa de sétimo dia, um funeral e a notícia de outro a que não cheguei a tempo. Enquanto abraço antigas colegas de escola, percebo despreocupada que o inconformismo que me separava dos outros desapareceu. No cemitério, a minha irmã leva-me à campa dos meus avós e nas suas fotografias, os rostos familiares e vivos confundem-me como sempre, não restando à repulsa inexprimível mais do que vomitar umas quantas lágrimas grossas que já não sei o que significam. Outros mortos — que fui eu que matei bem matados, ao longo de muito tempo e com as minhas próprias mãos —, a contingência me força a encontrar sempre que venho. Aqui, não há escolhas. No Instagram, onde publico fotografias dos meus passeios, recebo mensagens que elogiam a beleza da paisagem. Onde estava esta beleza quando cá vivi? Por muito que me esforce, o que assome é a inundação da biblioteca e o posterior encerramento por mais de uma dezena de anos, o incêndio no jardim-infantil, o fecho do Cine-Teatro Virgínia cujas ruínas me contemplaram até à partida, o fogo estival na serra, o salão de jogos com a máquina de Tetris e as mesas de Snooker de onde saía carcomida pela solidão, o Trampolim, um café onde dançava e hoje não sou capaz de entrar, e opressão, opressão, opressão que me esperou ao raiar desde que me lembro e de que me despedia diante de uma estrela que brilhava mais forte diante da janela do meu quarto, à qual todos os dias prometi sair dali mal conseguisse. Enquanto revisito mais um lugar, lembro-me que é sobre isto que escrevo. Sobre tudo isto, sobre este lugar. A derrota sucessiva de todos os meus espantos trouxe-me aqui, a um apagamento que não tenho qualquer intenção de repor.