18 de fevereiro de 2023

A Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, exibiu hoje numa sessão quatro curtas metragens iranianas que eram, cada uma delas, uma obra-prima. Ressalva sobre isso feita para a última delas, no final deste pequeno texto. MOBAREZEH BA ATASH DAR AHVAZ [“Combate ao Incêndio em Ahvaz”], de Abolghasem Rezai (1958), YEK ATASH [“Um Fogo”], de Ebrahim Golestan (1961), COURTSHIP ["Segmento do Irão"], de Ebrahim Golestan com Forough Farrokhzad (1961) e KHANEH SIAH AST [“A Casa é Negra”], de Forough Farrokhzad (1962).
Dois filmes sobre um combate a um incêndio que ardeu ao longo de 70 dias num furo de petróleo em 1958, transformam-se numa alegoria sobre a relação do homem com a terra e com os seus elementos, sobre a nossa burlesca, absurda e insensata espoliação do que está acima, e mais acima, e do que está abaixo, do que está mais abaixo ainda e mais longe e mais abaixo ainda, e, ao mesmo tempo, sobre a nossa adaptabilidade, a nossa capacidade de superação, a firmeza, e certamente também a loucura, em enfrentar as catástrofes. No primeiro filme a preto e branco, uma descrição do acontecimento, rapidamente se percebe (logo nas primeiras imagens, na verdade) que o que estamos a ver excede a mera enumeração. No segundo filme, a cores, que tem a colaboração de Forough Farrokhzad, e a que chamaram simplesmente YEK ATASH, Um fogo, a matéria que vemos troca de lugar com o corpo que vê. Para além da cor, uma cor que ela própria ferve, é um filme com mais silêncios do que o primeiro. São silêncios com a sua própria monstruosidade, que lançam as chamas e o seu odor sobre a plateia e enchem pesadamente a sala, mas que também têm qualquer coisa de abrupto e desajeitado, como uma fala que guardámos demasiado tempo e que finalmente explode quando menos nos preparávamos para a pronunciar.
“Haverá sempre muitos silêncios”, diz-se em COURTSHIP. Neste filme, vejo a Forough pela primeira vez no écrã. É um filme de uma asfixia irracional. Uma encenação dos procedimentos de corte daquela época que começa — é sempre tudo muito curioso na verdade quando ela deflagra diante dos nossos olhos — com algo que não tem nada a ver com um casamento ou um namoro: a descrição da cidade de Teerão, nos planos dos grandes edifícios filmados a partir da rua, por um lado, e na voz off do casal que a descreve como uma cidade «moderna», «europeia», «cosmopolita», por outro, para logo a voz do homem proclamar “Já não deve haver haréns, pelo menos na cidade, mas o lugar da mulher é em casa!”. 
Por fim, vimos A CASA É NEGRA. Vi este filme hoje pela primeira vez no cinema numa cópia maravilhosa e estou infinitamente agradecida à Cinemateca e ao amigo que há umas semanas me avisou que o filme passava hoje. No caminho para casa, mergulhada numa espécie de nirvana negro e luminoso ao mesmo tempo, escrevo-lhe esta mensagem: "Por muitas vezes que veja este filme, sinto sempre que é a primeira vez. Hoje talvez especialmente. Acho que este filme diz tudo o que penso sobre a vida." Por este motivo, não consigo enquadrar este filme em nada. Nem mesmo na definição «uma obra-prima». Uma frase brilhou particularmente hoje, não sei se já tinha reparado nela antes. 
 
 





 
Forough Farrokhzad, The House is Black (1962).