12 de março de 2023

Em Fraggle Rock as pessoas que tinham um problema iam consultar um sábio monte de lixo. Para lá chegar, tinham de atravessar um assustador túnel escuro e ultrapassar um gigante mau. Depois o lixo levantava-se como uma montanha. Era aterrador e ao mesmo tempo extraordinário. O monte de lixo começava a mexer-se lentamente, primeiro como lava a borbulhar e finalmente erguia-se, imponente. Era tão insólito que eu não conseguia tirar os olhos do ecrã e estava sempre ansiosa para voltar a ver. “Outra vez!” O monte de lixo resolvia sempre os problemas e era muito sábio. "The trashy is all!", não sei como é que traduziam isto, mas era isso que eu percebia: tudo era lixo. O lixo era uma forma suprema de vida porque recebia toda a vida, era a vida a transformar-se, em decomposição, a devir. Já era adulta quando percebi que o monte de lixo era uma senhora, quando eu via o Fraggle Rock não era nem um senhor nem uma senhora, era lixo. Mas mal ouvia as perguntas das personagens porque tinha uma ânsia visceral de lhe fazer eu própria as minhas perguntas. Um comboio de perguntas a entrar uma após a outra na minha cabeça, mal uma se formulava, já outras duas estavam a meio de se definir. Entre elas, enquanto via o monte de lixo demonstrar a sua sapiência, interrogava-me se teria coragem de atravessar aquele túnel tão comprido e tão escuro. Interrogava-me se, uma vez lá, o monte de lixo a levantar-se, de que eu tinha muito medo, não seria intimidante ao ponto de me emudecer. Não conseguir perguntar nada. De que tinha eu medo se também tinha tanta vontade de falar com ele? Tinha medo de uma coisa que passa de invisível a visível diante dos meus olhos. Tinha medo de estar a olhar para uma coisa e não ver o que lá estava. Tinha medo de estar a olhar e não ver as coisas maravilhosas que estavam à frente do meu nariz.