Egon Schiele, «Seated woman in violet stockings», 1917. |
27 de setembro de 2019
Novo texto no BUALA sobre a obra de Carlos Correia:
O mediatismo das pinturas exteriores difere radicalmente da depuração das pinturas interiores, estas últimas, assentes na perspetiva, a par de uma vigorosa pesquisa cromática, são geométricas, abstratas, em camadas, espaços fechados que abrem para outros espaços fechados e vazios que abrem para outros vazios. No plano destas pinturas vemos palcos, portas, janelas, espelhos, telas, cadeiras, mesas, pranchas, tábuas, lugares que convocam o acontecimento, ou seja, essas imagens de que a pintura exterior irá apropriar-se.
O mediatismo das pinturas exteriores difere radicalmente da depuração das pinturas interiores, estas últimas, assentes na perspetiva, a par de uma vigorosa pesquisa cromática, são geométricas, abstratas, em camadas, espaços fechados que abrem para outros espaços fechados e vazios que abrem para outros vazios. No plano destas pinturas vemos palcos, portas, janelas, espelhos, telas, cadeiras, mesas, pranchas, tábuas, lugares que convocam o acontecimento, ou seja, essas imagens de que a pintura exterior irá apropriar-se.
Nothing is more beautiful than the first few minutes of loneliness with the one who could love us, the one we could love. Nothing is quieter than such minutes, nothing more saturated with mild expectation. It is for these minutes that you feel you love and not for those who follow.
Stig Dagerman, The Red Dress.
Stig Dagerman, The Red Dress.
26 de setembro de 2019
Reivindicamos tanto una habitación propia que nos olvidamos que muchas de nosotras no podrán tenerla porque están fuera del sistema, porque para muchos y muchas ni siquiera están en el imaginario común, porque dolorosamente no hay espacio para ellas.
María Sanchez, Madriguera.
19 de setembro de 2019
13 de setembro de 2019
Conheço um lugar
Habitado pela melancolia
Onde o céu
Tem sempre as cores
Do fim do verão
As suas ruas
Estão vazias
Criminosamente limpas e silenciosas
Como uma casa
À hora da sesta
Cheiram a mar
E a gato
São feitas da substância
Do amor maternal
Insubstituível e gracioso
Nunca lá entrei
Aguardo uma manhã muda
Sem lei nem incerteza
Pois sei que qualquer esforço
Quebrará a sua frágil paz.
Habitado pela melancolia
Onde o céu
Tem sempre as cores
Do fim do verão
As suas ruas
Estão vazias
Criminosamente limpas e silenciosas
Como uma casa
À hora da sesta
Cheiram a mar
E a gato
São feitas da substância
Do amor maternal
Insubstituível e gracioso
Nunca lá entrei
Aguardo uma manhã muda
Sem lei nem incerteza
Pois sei que qualquer esforço
Quebrará a sua frágil paz.
6 de setembro de 2019
I swam past your house, you were in
veils of light held you, other arms of mine
under heavy botanical roofs
loaded diaphragms
full of water
back then I was waking up blue
all blue, more than the world,
my days truly liquid, placental, lacrimosos,
hybrid creatures slippery and shiny
salt and sea in your sleeping hair
it was warm and humid where my words germinated
from the seed of your name shot and grew
little green multiplications
embryos of whispers and scents with their shy sounds
but me, indelicate me,
I was a forest fire trying to catch your eye
trying to buy your favorite words
trying to corner you within
my walls intertwined with clouds.
I was a hurricane twirling
fire and glass at the center of that night club.
There was a tiger in my chest
there was a song in my heart
and it said that all my gold was melting
and I finally could float
– look at your hands
aren’t they blue too?
your aquarium eyes
your bougainvillea mouth
I swim past your house and float upon your body
I’ll lower myself slowly and merge with
the greenery of you
veils of light held you, other arms of mine
under heavy botanical roofs
loaded diaphragms
full of water
back then I was waking up blue
all blue, more than the world,
my days truly liquid, placental, lacrimosos,
hybrid creatures slippery and shiny
salt and sea in your sleeping hair
it was warm and humid where my words germinated
from the seed of your name shot and grew
little green multiplications
embryos of whispers and scents with their shy sounds
but me, indelicate me,
I was a forest fire trying to catch your eye
trying to buy your favorite words
trying to corner you within
my walls intertwined with clouds.
I was a hurricane twirling
fire and glass at the center of that night club.
There was a tiger in my chest
there was a song in my heart
and it said that all my gold was melting
and I finally could float
– look at your hands
aren’t they blue too?
your aquarium eyes
your bougainvillea mouth
I swim past your house and float upon your body
I’ll lower myself slowly and merge with
the greenery of you
Isabel Cordovil
4 de setembro de 2019
28 de agosto de 2019
O dia em que cheguei a Lisboa também era branco. Era um fim de tarde de novembro e eu não sabia onde estava. Deixei a mala no quarto e saí pela primeira vez, ansiosa e anestesiada. Queria ir até ao cruzamento com mais trânsito e ficar aí para ver como o dia mudava até ser noite, como eram as pessoas, saber se me perdia. Quando tinha feito cinco metros de rua dei de caras com o deus grego que eu observava ao longe na praia da Nazaré todos os verões.
O deus grego não era grego. Era um rapaz loiro de olhos muito azuis mais ou menos da minha altura cujos contornos poderiam ter sido esculpidos em mármore. Eu ficava siderada assim que ele aparecia na praia. Tudo em mim se calava profundamente. Penso que talvez fosse isso que eu temia nele — e eu temia-o: o nosso encontro deixava-me em silêncio. Eu achava que isso lhe dava um poder colossal sobre mim, que ele nunca poderia descobrir.
Portanto eu estava há um par de horas em Lisboa e o deus grego descia o passeio na minha direção. Fiquei atónita, imóvel, o meu coração fez tic e depois já não fez tac. Julguei que era uma contingência tremenda, que ele passaria por mim sem me reconhecer. Mas não, o deus grego dirigiu-se a mim com um grande sorriso, abraçou-me e tcharam!: sabia o meu nome. Eu não sabia o dele.
Perguntou-me o que é que eu estava a fazer ali, se tinha vindo estudar para Lisboa (respondi com um sim) explicou que o pai dele trabalhava cá, era advogado, que os pais eram divorciados e que até ali ele tinha vivido com a mãe na Nazaré mas que agora que tinha vindo estudar ía ficar com o pai, só que ainda não sabia dizer se estava contente com isso ou não. Falava muito rápido, com um grande sorriso, as mãos tocaram-me nos braços várias vezes. Era a primeira vez que falávamos, a primeira vez que lhe ouvia claramente a voz. Fiquei sempre na mesma posição e, ao que me lembro, com os olhos mais arregalados do mundo. Pensava: «Ele está feliz por me encontrar. Ele sabe o meu nome. Ele não só é bonito como está a estudar Sociologia.»
Querendo continuar tranquilamente a conversa, o deus grego convidou-me para tomar um café. Foi como se me tivessem dado um murro na cara. Senti-me desesperar na minha incredulidade. Agora era um fogo de artifício, com todo o seu ruído, que não me deixava pensar. «Ele está-te a convidar, ele quer passar tempo contigo.» Então tomei uma decisão com a plena consciência de estar a escolher entre dois caminhos na vida, uma coisa que não é todos os dias que acontece. Olhei diretamente para os olhos dele, respondi «Não», voltei as costas para ele e comecei a andar.
No segundo a seguir comecei a sentir a anestesia passar. As minhas pernas tremiam mas já não era por causa dele. Tive pena da tristeza que vi sobre o seu rosto, uma sombra assustadora que o envolveu inteiramente. Quis encontrar uma explicação para o que tinha acabado de fazer e não a tinha. Senti que Lisboa era uma cidade sem refúgios mas não sabia que qualidade havia a identificar nisso. A única coisa em que conseguia pensar era que ele vinha do passado e que, deus grego ou não, o meu passado terminava ali. Nunca o voltei a encontrar.
O deus grego não era grego. Era um rapaz loiro de olhos muito azuis mais ou menos da minha altura cujos contornos poderiam ter sido esculpidos em mármore. Eu ficava siderada assim que ele aparecia na praia. Tudo em mim se calava profundamente. Penso que talvez fosse isso que eu temia nele — e eu temia-o: o nosso encontro deixava-me em silêncio. Eu achava que isso lhe dava um poder colossal sobre mim, que ele nunca poderia descobrir.
Portanto eu estava há um par de horas em Lisboa e o deus grego descia o passeio na minha direção. Fiquei atónita, imóvel, o meu coração fez tic e depois já não fez tac. Julguei que era uma contingência tremenda, que ele passaria por mim sem me reconhecer. Mas não, o deus grego dirigiu-se a mim com um grande sorriso, abraçou-me e tcharam!: sabia o meu nome. Eu não sabia o dele.
Perguntou-me o que é que eu estava a fazer ali, se tinha vindo estudar para Lisboa (respondi com um sim) explicou que o pai dele trabalhava cá, era advogado, que os pais eram divorciados e que até ali ele tinha vivido com a mãe na Nazaré mas que agora que tinha vindo estudar ía ficar com o pai, só que ainda não sabia dizer se estava contente com isso ou não. Falava muito rápido, com um grande sorriso, as mãos tocaram-me nos braços várias vezes. Era a primeira vez que falávamos, a primeira vez que lhe ouvia claramente a voz. Fiquei sempre na mesma posição e, ao que me lembro, com os olhos mais arregalados do mundo. Pensava: «Ele está feliz por me encontrar. Ele sabe o meu nome. Ele não só é bonito como está a estudar Sociologia.»
Querendo continuar tranquilamente a conversa, o deus grego convidou-me para tomar um café. Foi como se me tivessem dado um murro na cara. Senti-me desesperar na minha incredulidade. Agora era um fogo de artifício, com todo o seu ruído, que não me deixava pensar. «Ele está-te a convidar, ele quer passar tempo contigo.» Então tomei uma decisão com a plena consciência de estar a escolher entre dois caminhos na vida, uma coisa que não é todos os dias que acontece. Olhei diretamente para os olhos dele, respondi «Não», voltei as costas para ele e comecei a andar.
No segundo a seguir comecei a sentir a anestesia passar. As minhas pernas tremiam mas já não era por causa dele. Tive pena da tristeza que vi sobre o seu rosto, uma sombra assustadora que o envolveu inteiramente. Quis encontrar uma explicação para o que tinha acabado de fazer e não a tinha. Senti que Lisboa era uma cidade sem refúgios mas não sabia que qualidade havia a identificar nisso. A única coisa em que conseguia pensar era que ele vinha do passado e que, deus grego ou não, o meu passado terminava ali. Nunca o voltei a encontrar.
17 de agosto de 2019
dos teus escombros nenhum ato emerge e, sobre eles, nenhum passo fica gravado, torpe imprevisto que arrasta dia por dia. aqui estou eu, ouvindo-te ao longe como se num sonho, procurando redimir a minha revolta no amor. dirijo-me a ti enquanto os cães uivam na noite do estio e espero, e espero, e espero. a minha carne lembra-se de ti, a minha voz traz a tua imagem refletida no espelho. odeio tudo o que te sobreviveu.
9 de agosto de 2019
Lembro-me a esse propósito, da ironia penetrante com que Brecht falava de um governo que enfrentava a eventualidade de ter de dissolver o seu povo para eleger outro. Foi justamente com esse fim em vista que, a 17 de Junho de 1953, o meu amigo Fritz Klein, dedicado comunista com vinte e nove anos de idade, apoiou a intervenção soviética que se seguiu à grande revolta operária, considerando o regime estabelecido socialmente mais justo e, do ponto de vista político, mais efectivamente antifascista que a República Federal. Do mesmo modo, em 1961, apoiaria a construção do Muro de Berlim. «A minha opinião nesse momento», escreveria ele, «era que devíamos aceitá-lo como um mal menor, quando considerávamos a outra alternativa possível: abandonar a experiência, que continuava a ser legítima, da instauração de uma nova sociedade».
Eric Hobsbawm, Tempos Interessantes.
Eric Hobsbawm, Tempos Interessantes.
8 de agosto de 2019
1 de agosto de 2019
Gostava de ser uma leitora pouco ambiciosa. Leria de seguida coleções completas de uma única editora, estudaria um filósofo anos a fio, dedicar-me-ia a um período da História, um poeta, um romancista, tudo com tempo e sem sofreguidão, sem pensar no livro seguinte ou no livro que me aparecesse diante dos olhos, me passasse pelas mãos, me encontrasse. Mas é inútil. A prateleira dos livros que tenho para ler ocupa agora um móvel inteiro e isso inclui alguns livros que me emprestaram. Também me esqueço dos livros que li. Não sinto angústia, mas tenho pena. Significa que um livro lido volta, após algum tempo, a ser um livro que posso reler sem me lembrar de nada, ou seja, volta a ser acrescentado à pilha dos livros que tenho em casa para ler. Também me esqueço dos filmes, mas não das fotografias nem das músicas e não tenho a mínima pista para o explicar. Os nomes, as palavras, foram sempre mais difíceis para mim: primeiro tardam em aparecer e depois desaparecem sem deixar rasto. Começo sempre vários livros, mas, por vezes, acontece entregar-me apenas a um, sem deixar que nada nos interrompa, que nada se interfira entre mim e a leitura. Eu e o livro desaparecemos, somos um universo constante preenchido por uma audição tátil, saborosa, e quanto mais o tempo passa, mais quero estar a sós com o meu livro. Única exceção, o tempo da escrita. Quando a escrita se torna exigente não leio nada e penso sempre que nunca mais quero ler.
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