Não quero negativar a vibe de ninguém. Só ando desacreditado da vida e
sem a mínima vontade de interagir com o mundo. Tem dias que acordo
pensando em tomar 4 cartelas de remédios ou amarrar uma corda no
pescoço e foda-se. Estou falido. Deprimido. Doente. Diabético e com
suspeita de câncer no reto. Doença que quase matou meu pai tempo desses.
Uma dor desgraçada no cu que lateja e arde o dia inteiro, mas ontem deu
uma melhorada e uma mulher vomitou no meu pé e disse que precisava
de um filho. Que se eu podia dar um filho pra ela. Eu disse que era
estéril. Que a literatura já enchia muito meu saco e que não tinha
cabeça e responsabilidade para cuidar de uma criança. Que tinha um casal
de cães. O Bakunin e a Anais Nin. Então começou a chover e nos
abrigamos embaixo da marquise de uma igreja abandonada e ela não parava
de falar. Acendeu um baseado de pasta de cocaína com maconha e perguntou
o que era literatura e me chamou de gay. Que se eu fosse homem de
verdade treparia com ela ali mesmo. No chão sujo cheirando a baba de
mendigo. Lembrei de uma tia evangélica que acha que homem solteiro com
mais de trinta anos é bicha ou doente mental. Talvez eu seja doente
mental. Quem abandona tudo para fazer literatura é louco. Aí a maluca
tirou a blusa. Os mamilos roxos e inchados. Como se fossem chupados
todos os dias. Eu disse "não precisa disso, gata. Segura a tua onda.
Veste tua blusa." aí ela começou a gritar "você vai me comer! Homem
nenhum faz desfeita da minha boceta" aí começou a dar tapas na barriga. "você vai ter que me comer!" aí acendi meu derby e dei uma golada pesada
na minha garrafa de conhaque e fui caminhando até uma viatura parar e
um soldado perguntar por que não comi a dona. Ele perguntou rindo. O dia
clareando e algo dentro de mim dizendo "não tem como abandonar a
literatura, cara. Mesmo que você queira. É algo mais forte que tudo."
Abro um sorriso e entro na minha rua cheia de urubus revirando lixo.
Diego Moraes, publicado no facebook no dia 23 de outubro às 12:26.
31 de outubro de 2015
29 de outubro de 2015
O crioulo é considerado a língua nacional e é o meio de comunicação entre os diferentes grupos étnicos. O português, declarado língua nacional oficial, é pouco falado e o seu uso encontra-se limitado aos meios oficiais e a um pequeno número de guineenses. O analfabetismo entre os indivíduos com 15 anos e mais, era de 49,8% em 2009, demonstrando assim que metade da população adulta não sabe ler nem escrever.
27 de outubro de 2015
o tratamento não tinha conseguido interromper o rápido processo de morte e o moribundo, embora lúcido, já só os olhos piscava de vez em quando. no momento em que se dirigiu para o hospital, tinha decidido
abandonar-me, pelo menos era essa a minha impressão enquanto o
contemplava agora e percebia que a felicidade tinha uma nitidez assustadora. eram três horas da madrugada de uma noite estrelada muito fria e eu não seria capaz de evitar a catástrofe mas em vez do fim veio a salvação. não serviu de nada.
24 de outubro de 2015
Daqui até à Póvoa de Varzim a povoação mais importante de pescadores é a Lagarteira (Âncora), na segunda reentrância da costa. Deito‑me a pé pela estrada, através do lindo pinheiral do Estado, que, de cismático, me lembra António Nobre, e fico perdido de sonho no Moledo. Em 13 de Agosto de manhã há uma ligeira névoa, um nada, um bafo. São nove horas. O azul entontece. Perco a linha da paisagem, o verde‑escuro do pinheiral que vai até ao mar, e tudo isto se me afigura uma larga concha azul, formada pelo mar azul e pelo céu azul, com uma borda de areal onde alguns velhos moinhos em fila batem as asas para meu encanto. O forte da Senhora da Ínsua fica num extremo, com o monte de Santa Tecla, que saiu agora do mar a escorrer, e no outro extremo da curva, onde a amplidão do azul é infinita, a penedia a desfazer‑se em espuma… Não posso. Por mais que queira não posso arredar‑me daqui, com a cabeça estonteada. Fico. E só ao fim da tarde é que consigo chegar a Âncora, com dois jactos de azul metidos pelos olhos dentro. Logo hoje, até muito tarde, não se apaga do céu um doirado de iluminura, que se prolonga até noite velha e morre com aflição…
Raul Brandão, Os Pescadores.
Raul Brandão, Os Pescadores.
22 de outubro de 2015
21 de outubro de 2015
19 de outubro de 2015
o instante em que a presa é imobilizada é o único que é puro e, por isso, o caçador nunca engole a presa mal a apanha. nela, a carne amolece e abre-se, nele o ímpeto recebe a frágua e leva o rumor. os demónios são expulsos, os inimigos vencidos, não há zelo nem escrúpulo nem privilégio nem honra mas sim silêncio. depois, antes de aplicar o último golpe, quando a presa quebra, também o caçador se imobiliza. aí, e apenas aí, a caça é inalienável.
18 de outubro de 2015
passei por um casal de mendigos a foder na entrada de um prédio. estavam tapados com um saco cama, ela praticamente imóvel, parecia morta, tinha a mão de fora da coberta, suja. ele estava todo lá dentro e os movimentos eram visíveis. passei numa direção e vi isto, voltei a passar na direção oposta e ele já lá não estava. ela continuava imóvel e tapada, mas tinha mudado de posição, deitou-se de barriga para baixo. não dava para perceber se ele iria voltar, o lugar que ocupava anteriormente estava agora a descoberto, mas também nunca dá, não é?
17 de outubro de 2015
15 de outubro de 2015
"ouve", disse-me o rapaz, "silêncio". eu: "não". como se de propósito, o operário exclamou "é meu filho!". pela primeira vez tive saudades de Marrocos. o meu pai, sozinho, com os cotovelos apoiados na mesa e o queixo nas mãos. "e depois porra?", perguntei. um amigo veio buscá-lo. veio dizer-me "você tem de tirar dali o carro". percebi que o corte na mão não era profundo e mandei-o parar. "que catástrofe". "vá. silêncio.". chovia copiosamente. olhei para ela, introspetivo. ela endireitou o corpo e disse a sorrir, sem desviar os olhos do livro "alegria, alegria".
13 de outubro de 2015
deixando para trás a coluna de sol, os grilos e os curiosos, mal dado um passo para dentro da sombra fresca, o rosto dela surgiu com tanta veemência que nesse mesmo instante comparou a lembrança à de um morto, de quem o nojo fosse intolerável. o pensamento a seguir, enquanto seguia pela nave, foi que, justamente, ela não estava morta. os convidados sorriam ou choravam, uma felicidade tremenda, ignota, tinha-se apoderado da maior parte. no altar, o noivo também sorria, porém com uma felicidade frágil, genuína, que, contudo, desprezou. enquanto caminhava pela nave, cada vez mais lentamente, A. lembrou-se, com cuidado extremo, de todos os detalhes do seu corpo. da voz, do peso da mão, dos pelos da púbis, do tom da pele, da curva do pescoço, do cheiro da transpiração. quando chegou ao altar desejava ardentemente revê-la. imaginou-se a refazer o caminho de volta para a praça, atravessá-la, conduzir o carro durante uma hora e meia, procurar a casa, encontrar a casa, bater. mas não conseguia imaginá-la a surgir do lado de lá da porta. sem sucesso, ao longo de toda a cerimónia procurou imaginar esse rosto aparecer e por isso, quando entrou no carro que os levaria ao jardim, sentia-se indisfarçavelmente esgotada e abatida. embora com repulsa, pousou a cabeça no ombro do marido durante o percurso. não sabia no entanto a quem se destinava exatamente esta repulsa, se ao homem que com todo o afeto e compreensão acariciava agora o seu joelho, se a si própria, indistintamente burladora e burlada. começou a chorar, não para libertar a tensão mas sim a tristeza. indiferente às interrogações que choviam, escudou-se atrás de um bloco de silêncio e continuou a ver a escuridão atrás da porta aberta, de onde nenhum rosto assomava.
12 de outubro de 2015
o meu olhar abandonou a delicada sombra da teia no mesmo instante. escrevi seis palavras e o olhar atirou-se para dentro do inimaginável. ouro, panos, tristeza, conspirações, e uma voz edificante, inflexível e clara, da qual desconfio e profundamente desprezo. nesse momento, redigi uma carta. lisboa, 3 de novembro de 1988. tinha rabiscado uns apontamentos, agora incompreensíveis. escrevi-a na mesma. o espaço mergulhou num êxtase silencioso raro, preparei-me para o exílio. hora cativa, que me desaloja do tédio, hora desvanecida, cujo som acorda o mancebo: a minha admiração se perde nela.
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