13 de outubro de 2015

deixando para trás a coluna de sol, os grilos e os curiosos, mal dado um passo para dentro da sombra fresca, o rosto dela surgiu com tanta veemência que nesse mesmo instante comparou a lembrança à de um morto, de quem o nojo fosse intolerável. o pensamento a seguir, enquanto seguia pela nave, foi que, justamente, ela não estava morta. os convidados sorriam ou choravam, uma felicidade tremenda, ignota, tinha-se apoderado da maior parte. no altar, o noivo também sorria, porém com uma felicidade frágil, genuína, que, contudo, desprezou. enquanto caminhava pela nave, cada vez mais lentamente, A. lembrou-se, com cuidado extremo, de todos os detalhes do seu corpo. da voz, do peso da mão, dos pelos da púbis, do tom da pele, da curva do pescoço, do cheiro da transpiração. quando chegou ao altar desejava ardentemente revê-la. imaginou-se a refazer o caminho de volta para a praça, atravessá-la, conduzir o carro durante uma hora e meia, procurar a casa, encontrar a casa, bater. mas não conseguia imaginá-la a surgir do lado de lá da porta. sem sucesso, ao longo de toda a cerimónia procurou imaginar esse rosto aparecer e por isso, quando entrou no carro que os levaria ao jardim, sentia-se indisfarçavelmente esgotada e abatida. embora com repulsa, pousou a cabeça no ombro do marido durante o percurso. não sabia no entanto a quem se destinava exatamente esta repulsa, se ao homem que com todo o afeto e compreensão acariciava agora o seu joelho, se a si própria, indistintamente burladora e burlada. começou a chorar, não para libertar a tensão mas sim a tristeza. indiferente às interrogações que choviam, escudou-se atrás de um bloco de silêncio e continuou a ver a escuridão atrás da porta aberta, de onde nenhum rosto assomava.