21 de setembro de 2023
12 de setembro de 2023
30 de agosto de 2023
Marguerite Duras, Le Matin, 4 de junho, 1986.
28 de julho de 2023
2 de julho de 2023
1 de julho de 2023
Watching the pigeons.
Solitude is a science.
Anuradha Roy
Há um conto de Michel Tournier chamado Tristan Vox que fala de um homem — Félix Robinet — que trabalha na rádio apaixonando multidões com a sua bela voz, mas que não pode dar-se a conhecer fisicamente. Tristan Vox é o duplo de Félix Robinet que se forma através da imaginação dos ouvintes, uma imagem completamente alicerçada numa voz emitida através de circuitos de som, desde o microfone no estúdio ao aparelho de rádio em casa. Uma voz sem corpo, sem substância, sustentada pela distância e por um certo ensimesmamento. A existência de Félix Robinet fica, assim, consolidada numa personagem cuja sobrevivência só é possível à custa do distanciamento, de uma intersubjetividade completamente dilacerada e descarnada.
Em 2017, o cirurgião americano Vivek H. Murthy declarou haver uma «epidemia de solidão». Vivek Murthy era um jovem médico quando percebeu que a sua formação em medicina tinha ficado aquém das expetativas. Nada nessa formação o tinha preparado para um dos problemas de saúde mais frequentes que encontrava na sala de exames. Em 2018, o Reino Unido instaurou um Ministério da Solidão, sendo seguido pelo Japão com o Ministério para a promoção do envolvimento dinâmico de todos os cidadãos, em 2021. O Japão criou o seu Ministério porque, até outubro de 2020, morreram mais nipónicos por suicídio do que por Covid-19, registando-se uma subida de 750 suicídios face a 2019 (a primeira subida face ao ano anterior em 11 anos). Estas 750 pessoas eram jovens com menos de 18 anos e mulheres.
A depressão e o suicídio foram os fatores determinantes para que países como a Inglaterra e o Japão tenham criado os seus Ministérios da Solidão e para que a Austrália, a Alemanha e o Canadá se preparem para lhes seguir os passos. Mas há mais diferenças a estabelecer quando falamos de solidão: o isolamento social é entendido como o estado em que o contacto com os outros é mínimo ou inexistente. Distingue-se da solidão, que é um estado subjetivo com sentimentos negativos sobre ter um nível de contacto social inferior ao desejado. Embora algumas definições caracterizem a solidão como uma forma de isolamento social, outras afirmam que a solidão é uma reação emocional ao isolamento social. Os dois conceitos não são necessariamente coexistentes: uma pessoa pode sentir-se socialmente isolada e não se sentir solitária. Da mesma maneira, pode estar socialmente vinculada, mas sentir-se só.
Quando o neoliberalismo surgiu nos anos 80, impôs implacavelmente a valorização da autonomia individual e interesse próprio acima do interesse da comunidade e do bem comum. O neoliberalismo é uma forma selvagem de capitalismo com ênfase na liberdade: liberdade de escolha, mercados livres, liberdade de interferência do Estado e dos sindicatos. O seu desenvolvimento foi crucial na atual crise de solidão: aumentou o fosso dos rendimentos. Criou um mundo dividido entre vencedores e fracassados, Estados escravizados pelos mercados e uma sociedade onde temos de nos defender. Uma sociedade onde cada um tem de cuidar de si mesmo pois mais ninguém o fará é uma sociedade de solitários. O capitalismo neoliberal veio remodelar não só relações económicas, mas também relações pessoais. Em 1981, Margaret Tatcher dizia ao Sunday Times: “A economia é o método; o objetivo é mudar a alma e o coração.”
Programa
31 março – 29 abril: Quero um dia em que não se espere nada de mim
Exposição coletiva com obras de Bert Timmermans, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues e Pedro Lagoa
4 e 5 abril: Terra Nullius, de Paula Diogo
Caminhada-espetáculo (versão Do It Yourself criada para o Atlas da Solidão)
Curso online
14 abril: Margarida Garcia e Manuel Mota
Concerto
15 abril: O mapa, por Joana Cavadas
Laboratório de expressão experimental com desenvolvimento de um objeto artístico que resultou numa publicação (14 aos 17 anos)
20 e 21 abril: Comoção, de David Marques
Dança (estreia absoluta)
Performance-instalação no âmbito da exposição
Conferências de encerramento com Adalberto Carvalho (Filosofia), Ana Cristina Pereira (Ciências da Comunicação), Sónia Martins (Psicologia), Rui Miguel Costa (Ciberpsicologia)
Ficha técnica
Artistas: Bert Timmermans, David Marques, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Cavadas, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues, Manuel Mota, Margarida Garcia, Paula Diogo, Pedro Lagoa, Vânia Rovisco, Vrndavana Vilasini
Conferencistas: Adalberto Carvalho (Filosofia), Ana Cristina Pereira (Ciências da Comunicação), Sónia Martins (Psicologia) e Rui Miguel Costa (Ciberpsicologia)
Conceção, direção artística e comunicação: Marta Rema
Produção: Ricardo Batista
Design gráfico: João M. Machado
Assessoria de imprensa: Rita Bonifácio/Paris Texas
Apoio à comunicação: Ricardo Rodrigues
Fotografia: Alípio Padilha
Vídeo: Francisca Manuel
Parceria: Appleton
Apoio à comunicação: Antena 2, Buala, Baldio, CMLisboa, Coffeepaste, Umbigo
Organização: efabula
Financiamento: República Portuguesa — Cultura / Direção-Geral das Artes
*Título inspirado no livro Sobre a ideia de uma comunidade de solitários, de Pascal Quignard, publicado no Sr. Teste.
11 de junho de 2023
26 de maio de 2023
22 de maio de 2023
20 de maio de 2023
Ontem, numa festa, alguém falou de alguém e a seguir disse a palavra Kyiv. Os meus amigos eram músicos, uma delas contava a história de um músico com quem tocou recentemente na Alemanha que, de forma totalmente arbitrária e por uma questão de sorte, havia conseguido não ser deportado para a Ucrânia e tinha entrado no corredor dos pedidos de proteção nacional para residência e asilo. A sorte de ser um refugiado neste momento ao invés de integrar à força o exército ucraniano e a enorme estranheza de ouvir essa palavra hoje, fazendo eco de épocas terríveis que mantêm sobre nós a sinistra ameaça de voltarem a acontecer. «Mas é difícil», a minha amiga baixou a voz como se a angústia a asfixiasse. «Como é que voltas?» E, de maneira estranha, todos percebíamos como o regresso daquela pessoa ao seu país seria, senão impossível, sem dúvida complicado. Que sustentava a família inteira através da música a partir da Alemanha, continuou, mas que não podia vê-los. Que ele também percebia como alguém que está a ser atacado há tantos anos pode querer defender o seu país. Que os russos na Alemanha iam aos concertos dele e lhe declaravam a sua solidariedade. «Esses também vivem escondidos», repliquei, e a minha amiga corroborou vividamente a ideia sublinhando a sua existência. «Ele falou disso tudo», e o murmúrio da guerra na sua voz chegava aos meus ouvidos numa festa com música tecno em Lisboa onde as guerras que nos dividem são contra as hordas de turistas e a falta de habitação, onde, longe do terror da preservação da vida, assistimos ao naufrágio da cidade que todos procuram e a outros exílios. «Este sítio vai desaparecer», ouvi dizer várias vezes durante a noite a pessoas diferentes sobre o local onde nos encontrávamos, uma coletividade com um salão de festas, um palco, um bar, onde havíamos entrado atalhando caminho através de um restaurante de comida indiana com três funcionários, mas apenas uma mesa e música alta que, descubro também, está aberto há menos de um mês. No caminho até casa, pouco tempo depois, misturava-me com as filas de franceses que regressavam aos hotéis com os rostos acabados, com asiáticos da Índia com medo de olhar para mim e asiáticos da China indiferentes à minha passagem, grupos de nórdicos, ingleses e americanos bêbedos abraçados a gritar e a cantar, intermináveis filas de carros a apitar uns aos outros parados na Baixa e no Bairro Alto embora fosse pouco antes da uma da manhã, mulheres cuja puberdade me inquietou de salto alto e vestidos curtos brilhantes a saltar por cima dos buracos das obras, polícias a pares ou em batalhões. No elétrico mais luzes, mais turistas, turistas que tiram fotografias de dentro, turistas que tiram fotografias de fora. Ninguém a manifestar a sua solidariedade.
13 de maio de 2023
Só se consegue perceber como é que uma pessoa consegue passar uma vida num palco a cantar a mesma canção ao longo de 20, 30, 40 anos e ainda se divertir ou emocionar — ter tesão, como com acerto dizem os brasileiros —, quando nós próprios cantamos. Uma voz é uma relação com o infinito através do que em nós é transitório, um corpo, subitamente transformado num animal que seduz o cosmos.