20 de abril de 2020
fazer anos é difícil. é complicado assegurar equilibradamente que devolvo o carinho que me é mostrado, efusivo, alegre e festivo, sem trair o núcleo da minha identidade, introvertida, equânime, austera. em criança simplesmente chorava. chorava convulsivamente dentro do vestido a estrear, rodeada da família e dos amigos, no momento de apagar as velas do bolo de aniversário, e imediatamente queria ficar só, desligar-me de todo o ruído e de toda a atenção, inclusive da minha mãe, e retirar-me para um canto esquecido até acabar o dia. continuo igual, dividida entre a gratidão pelos que me querem bem e a necessidade de quietude de uma existência sem alarme. a náusea, implacável e intransigente, é a mesma e o preço a pagar por lhe resistir, porventura demasiado alto: outrora, até a escuridão era límpida. hoje, para onde quer que me volte, as quimeras interpretam o seu espetáculo e para além da alegria e da vontade, deixam o impuro lastro da esperança.