de cada vez que o vento se levanta, um buliço atinge as árvores e o pó, de modo que parece que um avião parte, atravessando o céu perto dos telhados. ao que dei conta, devem ter partido cem aviões esta tarde e eu, deitada no sofá, olhando pela janela para as casas silentes e sem mudança, ouvi-os atentamente a todos. caindo a noite, o vento sossegou. os pássaros começaram a aparecer na varanda e senti vontade de ouvir música. deslizei para fora do sofá e vim ocupar a cadeira à frente da escrivaninha, olhando para as listas de artistas que guardei no computador. será errado profanar o silêncio do meu luto? como poderei usar uma língua que nasceu da tua extinção? depois de ti, o que é que eu vou dizer? a atenção dissipou-se, os objetos desta casa esquivam-se aos seus nomes, a tradução de um pecado tornou-se concêntrica, sem fim e sem destino. o sol arde, mas não vejo os teus destroços. estás fora da linguagem,
exata
intacta
inteira
como o princípio de um precipício.
*
para a minha mãe, que faria anos hoje.