5 de janeiro de 2018
escrever todos os dias nas férias, eram esses os meus planos, mas a minha atenção desviou-se para a leitura no tempo que me restou livre das obrigações familiares. é nestas alturas que dou conta da medida de silêncio e solidão que me são necessárias para escrever e não me imagino com uma família. quase todas as pessoas que conheço acabaram por ter filhos mais cedo ou mais tarde, algumas delas surpreendentemente cedo ou tarde. digo quase porque se excetuam aqueles que têm tendência para a melancolia, para o isolamento e para o pessimismo, entre os quais, contra todas as aparências, me incluo. entre os que tiveram filhos por acaso e os que os planearam, nunca encontrei nenhum que se dissesse arrependido. porém, aos que envelhecem sem os ter ouço muitas vezes formular a amargura da sua ausência. também penso nisso por vezes e, no entanto, ter filhos parece-me assustador: a ligação de extrema necessidade, a preocupação constante, a angústia no desamparo da doença, a incógnita sobre o futuro, e enfim, toda a gestão de termos um ser humano ao nosso lado em permanência, é um evento de uma exigência demolidora a que só aptidões como a compreensão, a temperança, o zelo e o altruísmo podem corresponder. com isto, vêm-me à memória escritores como Elena Ferrante, Karl Ove Knausgård e tantos outros que têm filhos e conseguiram ainda assim encontrar a solidão para escrever. julgo, contudo, que essa necessidade de distância e independência é dificilmente compreensível para quem a conhece apenas modestamente e, quanto mais imprescindível for, mais deformados e desavindos parecemos — ou somos. é portanto algo que tem de ser imposto com veemência. certo é que valorizar a procrastinação sobre o fazer, o tédio sobre o empenho, o isolamento sobre a convivência, cada vez mais me parece fundamental. não são essas as marcas do amor quando aparece?