27 de agosto de 2017

a primeira abordagem do termo terra nullius sugere a ideia de uma utopia paradoxal: no nosso imaginário, o termo refere-se a uma terra onde a paz perdura através da vastidão sem pertença, mas também a uma terra abandonada, terra que é impossível penetrar e habitar. é, por isso, ao mesmo tempo, a única terra que ainda há a desbravar, ideia que nos transporta para as grandes expedições, do Ártico, das florestas virgens, do mar, aventuras que já só poderão ter lugar hoje no espaço sideral ou no interior da Terra. o termo sendo romano, reconhece-se à partida a sua arbitrariedade, já que os romanos não descobriram nada: os seus territórios foram conquistados à força, assim como foi a América, a Austrália ou o Brasil. para que isso fosse possível, houve portanto uma adaptação do significado do termo e assim, em vez de abandonada, essa terra não tinha «sociedades civilizadas». deste modo, era considerada desocupada ou desabitada. porém, este sentido legal do termo e as consequências que daí decorrem (escrevo no presente do indicativo porque na Austrália o conceito de terra nullius continua a ser apresentado em ações judiciais pelos povos aborígenes), não afetou o teor fantasioso que ainda hoje sugere. é como se a ideia de uma terra pura, devastada pela solidão que ninguém pode viver, insondável e incompreensível, permanecesse no imaginário contemporâneo reforçado por um silêncio que serve a aniquilação.