15 de junho de 2017
reparámos no cão ferido ao mesmo tempo e, sem interromper a conversa, abrandámos o passo. nenhum de nós sabia o que fazer. se fossemos a conduzir parávamos o carro?, ocorreu-me. ela baixou-se para observar melhor o estado do animal que respirava com dificuldade. depois voltou a levantar-se, constatando que nada havia a fazer para o salvar. «ligamos a um veterinário?», «sim, ligamos a alguém», respondi com uma certa displicência, pois, sendo feriado, ambos sabíamos que não ia ser fácil encontrar alguém disposto a vir por termo ao sofrimento do animal. foi por isso com surpresa que, à primeira chamada, ouvimos um sim. no tempo que tivemos de esperar fomos deixando de ter assunto, os silêncios tornaram-se cada vez mais longos e mais incómodos. o cão continuava vivo em cima da poça de sangue e, ainda que desconhecêssemos os benefícios de ter um animal de companhia, a sua dor foi-se entranhando em nós. despedimo-nos com uma espécie de nojo em tocar um no outro, o que costumávamos fazer naturalmente e até disso tirando proveito. pelo caminho, já sozinho, pensava que não sabia porque não se faz o mesmo aos humanos. nunca voltámos a falar disso mas a lembrança do cão moribundo ficou sempre entre nós, como um vulto ou uma sombra funesta e grosseira. creio que foi isso que acabou por impedir que a nossa proximidade se aprofundasse.