14 de junho de 2017

ela serviu o chá em silêncio, as cortinas ondulavam com o vento que passava através das portas abertas para o quintal. um cão latia ao longe, as cigarras cantavam. enquanto dávamos os primeiros goles, desviámos o olhar para dentro, para nenhures. perguntei de onde vinha o chá, elogiei-o. ela respondeu que era marroquino, que a irmã lhe tinha oferecido há pouco tempo, depois de uma viagem. «é realmente muito bom», disse-lhe. sem saber como chegar ao assunto, perguntei imediatamente a seguir: «quanto tempo tens?». «cerca de um mês», respondeu-me, sem balbuciar nem mostrar surpresa. «tens dores?», «não». levantou-se. dirigiu-se ao quintal, como se tivesse esquecido o chá e eu próprio. levantei-me também e prendi-lhe o cabelo atrás da nuca. fizemos amor e, contra as minhas expetativas, não encontrei feridas no corpo dela inchado pelo calor, apenas alguns sinais do tempo que me excitaram ainda mais. na verdade, era ainda uma mulher jovem, os anos passaram mais entre nós do que sobre ela. fumámos os dois o mesmo cigarro e rimos. «apetece-me ficar quieto ao pé de ti, aqui em tua casa, muitas horas.» olhou para mim sem saber o que dizer, como se receasse que eu não compreendesse a lógica que se tinha imposto. desviei o olhar. bebemos e voltámos a fazer amor, agora com menos pudor ainda. tomámos banho juntos, rimos. o sexo prolongou-se noite dentro, divertidos, uma ternura antiga abria-se entre nós. no dia seguinte, depois de tomarmos o pequeno almoço, vesti-me, peguei na chave, disse-lhe «até já», beijei-a. ela acenou levemente e de repente disse «espera», desaparecendo dentro da casa. voltou trazendo na mão uma caixa de madeira. «o que é?», «depois vês em casa». mal entrei no carro abri-a. tinha cartas com mais de vinte anos que nunca tinha chegado a receber, fotografias, um diário. arranquei, a manhã de neblina oferecia-me espaço para pensar. uma pergunta afligia-me o espírito: porque é que não nos aproximámos antes?