3 de dezembro de 2016
Quando era miúda, à vinda da escola, passava por uma casa com uma placa na entrada a dizer «Associação Columbófila» que, até ao dia em que fui convidada a lá entrar, pensei ser uma associação de historiadores aficionados relacionada com Cristóvão Colombo. Não havia quase nada lá dentro para além de uma mesa de matraquilhos e uma arca cheia de minis, por isso a visita não teve nada de memorável, a não ser que foi nesse dia que fiquei a saber que os pombos também são animais de estimação, que são treinados para ir e regressar de longas distâncias, tendo sido até utilizados na Segunda Guerra Mundial para levar mensagens codificadas, e que — facto perturbante —, uma vez treinados, indiferentes ao paradeiro do dono, nunca mais abandonam o local onde vivem. Se o dono deixa a casa os pombos lá continuam, a sobrevoar o local, aos círculos. Nunca me esqueci deste dado tão extraordinário como inútil e, sempre que viajo, quando encontro pombos a desenhar por vezes pequenos, por vezes enormes círculos no céu, procuro imediatamente a casa a que deverão pertencer, por receio que ali estejam para sempre, no ar e aos círculos, sem poder pousar. A casa onde moro hoje teve nas traseiras e durante muitos anos, as ruínas de uma outra casa, que deverá ter sido bonita por sinal, com uma retrete antiga na varanda cheia de azulejos e um pequeno jardim no piso de baixo. Junto a essa casa havia uma gaiola gigante que era uma casa de pombos. E lá andavam eles, ano após ano, sobrevoando a casa aos círculos e regressando ao final da tarde. Ora, no ano passado, para meu grande terror, fizeram obras nesta casa e deitaram a gaiola abaixo. A casa ficou bonita, moderna e branca, o jardim arrancaram-no, erva a erva. Sempre que ía à janela, procurava pelos pombos. Até que os descobri: encontraram uma ranhura entre a nova varanda e o anexo (construído no lugar da gaiola), onde se podiam abrigar do vento e da chuva. Rapidamente, o minúsculo espaço por baixo da varanda se encheu de pombos cansados de voar. Não passaram muitos dias até que o dono da nova casa descobrisse o ardil e tapasse a reentrância com plásticos e tábuas. Agora os pombos dormem dispersos e onde podem pousar, na ombreira de uma janela que não se abre, atrás de um vaso. E continuam a regressar.