No arquivo climatizado do acervo da biblioteca da Brigham Young University, na cidade de Povo, no Utah, Estados Unidos da América, existe um retrato do pintor japonês Mori Yusen onde, embora uma carta anexa endereçada ao seu pai adotivo Mori Shuho garanta que é dele, o seu rosto não é claramente reconhecível. Nascido em 1780 em Osaka, veio a falecer em 1851 desconhecido do mundo. Quando aos 10 anos é adotado, traz consigo não se sabe que memórias. Supõe-se que terá sido pintor, embora na verdade não passe disso mesmo, uma suposição. Se o supomos, isso deve-se ao grau de excelência e aperfeiçoamento da técnica do livro publicado postumamente — sessenta e oito anos depois da sua morte — por uma editora em Tokyo e graças a Yamda Geishu Do, intitulado Ha Bun Shu, um conjunto de desenhos do mar, das suas ondas, espuma, vastidão e força. Ha significa onda, Bun frase e Shu reunir, pelo que poderíamos traduzir esse título por algo como Reunir a mensagem das ondas. «Ocean inside a circle surrounded by wave foam» é o título de um desses desenhos, onde um largo oceano é focado dentro de um círculo em torno do qual a espuma se acumula. Mas este é um dos desenhos que aproveitam todo o espaço do papel. Outros desenhos apresentam poucas linhas, desenhadas cirurgicamente, pormenores de uma onda ou de um pequeno pedaço de espuma, muitos outros círculos onde o mar parece caber deixando o vazio em redor e até, num deles, uma divisão em quadradinhos. O seu trabalho parece tender para um crescente depuramento conceptual, de modo que, em alguns desenhos, as linhas começam a resultar em formas geométricas que não se confundem com as imagens e, sobretudo, não simbolizam nada, até que a certo momento o desenho ultrapassa o papel estendendo-se por três páginas, com lençóis de água que se desdobram como se desdobram os rolos de papel de seda japoneses, habitualmente usados para a pintura ou para a caligrafia. Em todos os desenhos o mar surge revolto, como se o pintor nunca tivesse visto a água lisa tal uma folha virgem. Não existe harmonia nas coisas imperturbadas, é o que Mori Yusen parece querer dizer-nos. Quantas sombras nos foram reveladas com maior simplicidade?