7 de dezembro de 2016
Começar de novo, não num lugar qualquer mas no campo, longe do burburinho das vozes alheias e da rotina exaurível da cidade, onde os selos dos nossos padrões se repetem como um déjà vu, isto é, como se fosse a primeira vez, não é apanágio do romantismo. Pelo contrário, é talvez a utopia contemporânea mais frequente, que mais ressurge quer na forma de um estilo de vida — viver na cidade como se estivéssemos no campo —, quer como fuga implacável, em rutura com o passado. Num caso como noutro, é a existência que está em causa, que vocifera, que quer expandir-se rompendo com as condições que a limitam e torturam. Ser auto-suficiente parece traduzir-se assim na mais forte expressão de liberdade. O mundo é feito de mudança, porque não deixar cair aquilo que nos aprisiona? Imersos na natureza, nada mais existe. Abandonar os esforços para impor a nossa vontade e visão do mundo em prol da indeterminação, não como uma queda mas como desapego, distanciamento, alegria, é o sonho de que vários amigos me falam, porventura o pesadelo, pois surge com grande angústia ou, pelo menos, com o sentimento de opressão que coexiste em todos aqueles que se vêem forçados ao cativeiro em que as nossas cidades se tornaram, com os deveres do trabalho e da sociabilidade, e onde uma voz inumana alastra monstruosamente. O silêncio ouve.