29 de maio de 2015
nunca imaginei que uma ternura infinita como a da infância, uma vez perdida, pudesse voltar a existir. e todavia nunca imaginei senão isso. é de facto de uma grande evidência, que nenhuma outra coisa existe senão esse centro de que nos aproximamos, distanciamos e onde, por vezes, nos é concedido entrar. no labirinto tocamos o insondável mas a sua infinitude não me domesticou. o que se levantou dele, porque pôde, apenas escutou. e eu pude: não pronunciei palavra nem fui iludida por nenhuma revelação. até já não ter nada e poder escutar apenas este silêncio, este mistério.
28 de maio de 2015
25 de maio de 2015
24 de maio de 2015
22 de maio de 2015
21 de maio de 2015
18 de maio de 2015
escrevo para me tornar audível. quem não me lê, não me vê. talvez seja também por isso que leio o que escrevo, para que enquanto faço correções, eu me possa ver. mas para que me quero eu ver a mim própria? não há nada aqui para ver, sou um espelho muito fastidioso. é quando me perco e me esqueço de mim que sou feliz. que justa é a escolha da palavra felicidade...
Walk in silence
Don’t walk away, in silence
See the danger
Always danger
Endless talking
Life rebuilding
Don’t walk away
Walk in silence
Don’t turn away, in silence
Your confusion
My illusion
Worn like a mask of self-hate
Confronts and then dies
Don’t walk away
People like you find it easy
Naked to see
Walking on air
Hunting by the rivers
Through the streets
Every corner abandoned too soon
Set down with due care
Don’t walk away in silence
Don’t walk away
Joy Division [Bernard Sumner / Ian Curtis / Peter Hook / Stephen Morris].
Don’t walk away, in silence
See the danger
Always danger
Endless talking
Life rebuilding
Don’t walk away
Walk in silence
Don’t turn away, in silence
Your confusion
My illusion
Worn like a mask of self-hate
Confronts and then dies
Don’t walk away
People like you find it easy
Naked to see
Walking on air
Hunting by the rivers
Through the streets
Every corner abandoned too soon
Set down with due care
Don’t walk away in silence
Don’t walk away
Joy Division [Bernard Sumner / Ian Curtis / Peter Hook / Stephen Morris].
17 de maio de 2015
— Está na hora de resumir — disse Bernard. — Chegou a hora de te
explicar o sentido da minha vida. Dado não nos conhecemos (se bem que
me pareça já te ter encontrado antes, a bordo de um navio que seguia
para África), podemos falar com franqueza. Sinto-me possuído pela ilusão
de que existe algo que adere durante alguns instantes, é redondo, tem
peso, profundidade, está completo. Pelo menos por agora, é assim que
sinto a minha vida. Se fosse possível, seria este o presente que te gostaria de oferecer. Arrancá-la-ia como quem arranca um cacho de uvas. Diria: "Toma. É a minha vida".
Mas, infelizmente, não vês aquilo que vejo (este globo, cheio de figuras). Sentado à tua frente está um homem idoso, bastante pesado, cheio de cabelos brancos. Vês-me pegar no guardanapo e desdobrá-lo. Vês-me encher um copo de vinho. E, atrás de mim, vês uma porta por onde as pessoas vão passar. Mas, para te dar a minha vida, para que a possas entender, tenho de te contar uma história — e se elas são tantas, tantas —, histórias de infância, histórias do tempo da escola, de amores, de casamentos, mortes e assim por diante. Contudo, nenhuma é verdadeira. Mesmo assim, iguais a crianças, vamos contando histórias uns aos outros, e, para as conseguirmos decorar, inventamos estas frases ridículas, rebuscadas, belas. Estou tão cansado de histórias, tão cansado de frases que assentam tão bem! Para mais, detesto projectos de vida concebidos em folhas de blocos de apontamentos! Começo a sentir saudades de um tipo de linguagem semelhante à que é usada pelos amantes, composta por palavras soltas e inarticuladas, semelhantes a pés arrastando-se no caminho. Começo a procurar um conceito que esteja mais de acordo com os momentos de humilhação e triunfo com que sempre acabamos por nos deparar de vez em quando. Deitado numa vala durante um dia de tempestade depois de ter estado a chover, vejo marcharem no céu nuvens grandes e pequenas. Nesses momentos, o que me delicia é a confusão, o peso, a fúria e a indiferença. São nuvens que não param de mover e de se transformar; qualquer coisa de sulfuroso e sinistro, arqueado; ameaçador até ao momento em que se estilhaça e desaparece, e lá estou eu, minúsculo, esquecido, na valeta. É nesses momentos que não consigo encontrar quaisquer vestígios de história, de conceito.
Virginia Woolf, As Ondas.
Mas, infelizmente, não vês aquilo que vejo (este globo, cheio de figuras). Sentado à tua frente está um homem idoso, bastante pesado, cheio de cabelos brancos. Vês-me pegar no guardanapo e desdobrá-lo. Vês-me encher um copo de vinho. E, atrás de mim, vês uma porta por onde as pessoas vão passar. Mas, para te dar a minha vida, para que a possas entender, tenho de te contar uma história — e se elas são tantas, tantas —, histórias de infância, histórias do tempo da escola, de amores, de casamentos, mortes e assim por diante. Contudo, nenhuma é verdadeira. Mesmo assim, iguais a crianças, vamos contando histórias uns aos outros, e, para as conseguirmos decorar, inventamos estas frases ridículas, rebuscadas, belas. Estou tão cansado de histórias, tão cansado de frases que assentam tão bem! Para mais, detesto projectos de vida concebidos em folhas de blocos de apontamentos! Começo a sentir saudades de um tipo de linguagem semelhante à que é usada pelos amantes, composta por palavras soltas e inarticuladas, semelhantes a pés arrastando-se no caminho. Começo a procurar um conceito que esteja mais de acordo com os momentos de humilhação e triunfo com que sempre acabamos por nos deparar de vez em quando. Deitado numa vala durante um dia de tempestade depois de ter estado a chover, vejo marcharem no céu nuvens grandes e pequenas. Nesses momentos, o que me delicia é a confusão, o peso, a fúria e a indiferença. São nuvens que não param de mover e de se transformar; qualquer coisa de sulfuroso e sinistro, arqueado; ameaçador até ao momento em que se estilhaça e desaparece, e lá estou eu, minúsculo, esquecido, na valeta. É nesses momentos que não consigo encontrar quaisquer vestígios de história, de conceito.
Virginia Woolf, As Ondas.
13 de maio de 2015
indianos.
caminham de mão dada. ela vai junto à parede, ele do lado da estrada.
ela está ligeiramente escondida atrás dele. vejo a sombra dele projetada sobre o seu corpo.
ele olha para mim quando olho para eles. coloca-se ligeiramente mais à frente dela.
está a protegê-la.
atrás dele, ela olha-me nos olhos e sorri com as entranhas, universalmente. eu vejo o amor dela. e quero escrever sobre isso.
caminham de mão dada. ela vai junto à parede, ele do lado da estrada.
ela está ligeiramente escondida atrás dele. vejo a sombra dele projetada sobre o seu corpo.
ele olha para mim quando olho para eles. coloca-se ligeiramente mais à frente dela.
está a protegê-la.
atrás dele, ela olha-me nos olhos e sorri com as entranhas, universalmente. eu vejo o amor dela. e quero escrever sobre isso.
12 de maio de 2015
24 de dezembro de 1929
Ver uma mulher: somente por um segundo, somente no breve lapso de um olhar, para logo voltar a perdê-la, na obscuridade de um corredor, atrás de uma porta que estou proibida de abrir... Ver uma mulher, e sentir nesse mesmo instante que também ela me viu, que os seus olhos inquisitivos se apaixonaram por mim como se não tivéssemos outro remédio senão encontrarmo-nos no umbral do ignoto, dessa fronteira obscura e melancólica da consciência...
Sim, sentir durante esse segundo que também ela está em suspenso, dir-se-ia que dolorosamente interrompida no discorrer dos pensamentos, como se os seus nervos se contraíssem ao contacto com os meus. E eu não estava cansada, não se confundiam dentro de mim as imagens do dia nem contemplava os campos cobertos de neve com as sombras alongadas do entardecer; via a multidão no bar; passavam raparigas, os seus pares de baile levavam-nas como se fossem bonecas, riam com frivolidade inclinando a cabeça para trás por cima dos seus ombros estreitos, entre as suas gargalhadas soava estrondoso o jazz e eu fugia para um pequeno canto; então Li fez-me sinais, o seu pequeno rosto relampagueava branco abaixo das sobrancelhas altas e depiladas. Trouxe o copo na minha direção, obrigando-me, obstinada, a prová-lo e depois apertou o pescoço do norueguês com as suas esbeltas mãos; passou a flutuar diante de mim, dançarinamente, enquanto os olhos dele pendiam dos seus lábios.
Em breve a noite fria de inverno veio ao nosso encontro, Lange caminhava ao meu lado falando um alemão desajeitado. «Deveria ter vergonha! — disse —. Não sabe como são perigosas as raparigas mongóis». Li era mongol, e eu consenti com a cabeça, ainda que ela não fosse perigosa. Um rosto de porcelana que relampagueava debaixo de umas sobrancelhas finamente depiladas e umas mãos brancas, relampagueando também sem cessar, sobre os ombros daqueles varões que a levavam por entre o enxame de gente que dançava... Mas Li sorri!, em torno da sua boca pode haver um temeroso sorriso infantil e eu sei que os homens amam a doçura dessa boca, mas o que é esse sorriso comparado com o dos pequenos seres, loiros e inocentes, que nada pretendem e que de fora, debaixo da luz do sol, vêm ao nosso encontro, ficam a observar-nos e despertam a nossa simpatia ainda que sintamos fadiga e mal estar físico pelo asco que imperceptivelmente a mistura de riso e de hilaridade, de excesso de fumo e de bulício, começa a produzir.
Que agradável é a carícia do ar fresco noturno sobre a minha cara!, tenho até mesmo neve colada aos sapatos. Apercebe-se uma nova luz aqui e ali, alguém leva os meus bastões de esqui, dou a mão a Lange, que sobe apressado a escada. Agora toco o sino; uma vez no interior, o ascensorista fecha a porta nas minhas costas; estou cabisbaixa quando o elevador para no hall. Por um momento o calor e o ruído invadem o recinto, levanto o olhar e vejo uma mulher à minha frente, veste um casaco branco, a sua cara é morena sob o cabelo escuro e penteado para trás com severidade masculina; sou surpreendida pela força bela e luminosa que o seu olhar erradia e encontramo-nos, um segundo, e eu sinto o irresistível impulso de me aproximar dela e, mais amargo e doloroso ainda, o impulso de seguir a impressionante desconhecida, que nasce em mim como uma ânsia e uma ordem.
Baixo o olhar e dou um passo para trás. O elevador detém-se. O botões abre a porta, com um aceno de cabeça quase imperceptível a desconhecida passa diante de mim...
Annemarie Schwarzenbach, Ver uma mulher [tradução nossa].
Ver uma mulher: somente por um segundo, somente no breve lapso de um olhar, para logo voltar a perdê-la, na obscuridade de um corredor, atrás de uma porta que estou proibida de abrir... Ver uma mulher, e sentir nesse mesmo instante que também ela me viu, que os seus olhos inquisitivos se apaixonaram por mim como se não tivéssemos outro remédio senão encontrarmo-nos no umbral do ignoto, dessa fronteira obscura e melancólica da consciência...
Sim, sentir durante esse segundo que também ela está em suspenso, dir-se-ia que dolorosamente interrompida no discorrer dos pensamentos, como se os seus nervos se contraíssem ao contacto com os meus. E eu não estava cansada, não se confundiam dentro de mim as imagens do dia nem contemplava os campos cobertos de neve com as sombras alongadas do entardecer; via a multidão no bar; passavam raparigas, os seus pares de baile levavam-nas como se fossem bonecas, riam com frivolidade inclinando a cabeça para trás por cima dos seus ombros estreitos, entre as suas gargalhadas soava estrondoso o jazz e eu fugia para um pequeno canto; então Li fez-me sinais, o seu pequeno rosto relampagueava branco abaixo das sobrancelhas altas e depiladas. Trouxe o copo na minha direção, obrigando-me, obstinada, a prová-lo e depois apertou o pescoço do norueguês com as suas esbeltas mãos; passou a flutuar diante de mim, dançarinamente, enquanto os olhos dele pendiam dos seus lábios.
Em breve a noite fria de inverno veio ao nosso encontro, Lange caminhava ao meu lado falando um alemão desajeitado. «Deveria ter vergonha! — disse —. Não sabe como são perigosas as raparigas mongóis». Li era mongol, e eu consenti com a cabeça, ainda que ela não fosse perigosa. Um rosto de porcelana que relampagueava debaixo de umas sobrancelhas finamente depiladas e umas mãos brancas, relampagueando também sem cessar, sobre os ombros daqueles varões que a levavam por entre o enxame de gente que dançava... Mas Li sorri!, em torno da sua boca pode haver um temeroso sorriso infantil e eu sei que os homens amam a doçura dessa boca, mas o que é esse sorriso comparado com o dos pequenos seres, loiros e inocentes, que nada pretendem e que de fora, debaixo da luz do sol, vêm ao nosso encontro, ficam a observar-nos e despertam a nossa simpatia ainda que sintamos fadiga e mal estar físico pelo asco que imperceptivelmente a mistura de riso e de hilaridade, de excesso de fumo e de bulício, começa a produzir.
Que agradável é a carícia do ar fresco noturno sobre a minha cara!, tenho até mesmo neve colada aos sapatos. Apercebe-se uma nova luz aqui e ali, alguém leva os meus bastões de esqui, dou a mão a Lange, que sobe apressado a escada. Agora toco o sino; uma vez no interior, o ascensorista fecha a porta nas minhas costas; estou cabisbaixa quando o elevador para no hall. Por um momento o calor e o ruído invadem o recinto, levanto o olhar e vejo uma mulher à minha frente, veste um casaco branco, a sua cara é morena sob o cabelo escuro e penteado para trás com severidade masculina; sou surpreendida pela força bela e luminosa que o seu olhar erradia e encontramo-nos, um segundo, e eu sinto o irresistível impulso de me aproximar dela e, mais amargo e doloroso ainda, o impulso de seguir a impressionante desconhecida, que nasce em mim como uma ânsia e uma ordem.
Baixo o olhar e dou um passo para trás. O elevador detém-se. O botões abre a porta, com um aceno de cabeça quase imperceptível a desconhecida passa diante de mim...
Annemarie Schwarzenbach, Ver uma mulher [tradução nossa].
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