— Está na hora de resumir — disse Bernard. — Chegou a hora de te
explicar o sentido da minha vida. Dado não nos conhecemos (se bem que
me pareça já te ter encontrado antes, a bordo de um navio que seguia
para África), podemos falar com franqueza. Sinto-me possuído pela ilusão
de que existe algo que adere durante alguns instantes, é redondo, tem
peso, profundidade, está completo. Pelo menos por agora, é assim que
sinto a minha vida. Se fosse possível, seria este o presente que te gostaria de oferecer. Arrancá-la-ia como quem arranca um cacho de uvas. Diria: "Toma. É a minha vida".
Mas, infelizmente, não vês aquilo que vejo (este globo, cheio de
figuras). Sentado à tua frente está um homem idoso, bastante pesado,
cheio de cabelos brancos. Vês-me pegar no guardanapo e desdobrá-lo.
Vês-me encher um copo de vinho. E, atrás de mim, vês uma porta por onde
as pessoas vão passar. Mas, para te dar a minha vida, para que a possas
entender, tenho de te contar uma história — e se elas são tantas,
tantas —, histórias de infância, histórias do tempo da escola, de
amores, de casamentos, mortes e assim por diante. Contudo, nenhuma é
verdadeira. Mesmo assim, iguais a crianças, vamos contando histórias uns
aos outros, e, para as conseguirmos decorar, inventamos estas frases
ridículas, rebuscadas, belas. Estou tão cansado de histórias, tão
cansado de frases que assentam tão bem! Para mais, detesto projectos de
vida concebidos em folhas de blocos de apontamentos! Começo a sentir
saudades de um tipo de linguagem semelhante à que é usada pelos amantes,
composta por palavras soltas e inarticuladas, semelhantes a pés
arrastando-se no caminho. Começo a procurar um conceito que esteja mais
de acordo com os momentos de humilhação e triunfo com que sempre
acabamos por nos deparar de vez em quando. Deitado numa vala durante um
dia de tempestade depois de ter estado a chover, vejo marcharem no céu
nuvens grandes e pequenas. Nesses momentos, o que me delicia é a
confusão, o peso, a fúria e a indiferença. São nuvens que não param de
mover e de se transformar; qualquer coisa de sulfuroso e sinistro,
arqueado; ameaçador até ao momento em que se estilhaça e desaparece, e
lá estou eu, minúsculo, esquecido, na valeta. É nesses momentos que não
consigo encontrar quaisquer vestígios de história, de conceito.
Virginia Woolf, As Ondas.