Não contes a ninguém o que viste, fica-te pela imagem.
inscrição no oráculo de Dodona (Grécia).
de visita à terra natal, assombra-me o facto de, há um ano, ter tido tamanha ilusão acerca dela que cheguei mesmo a pensar, ainda que por breves momentos, na possibilidade de aqui voltar a viver. foi, claro, uma ilusão breve, e contudo, que assustadora. não há, como nunca houve, qualquer lugar para mim aqui. quando digo «qualquer lugar», isso significa que sou obrigada a manter-me inteiramente e a todo o momento em segredo. naturalmente que a exaustão chega a dado momento, por vezes de forma abrupta, por vezes gradualmente, como um vómito que se consegue ou não conter. nos casos em que não posso controlar a explosão, a minha estranheza impõe-se repentinamente como um colosso, bizarro, disforme, sem medida. quando, por qualquer motivo, pretendo ajustar-me, é, ao contrário, uma implosão que se dá, e debato-me no meu mutismo sem aceitar que não tenho chão onde repousar. todos esses fantasmas me perseguem desde sempre, pois não há dúvida de que aqui existe amor. que espécie de ser se debela contra o amor com tanta repugnância? que espécie de ser se afirma por adversão a coisas tão simples como as que aqui existem? incapaz de transmutar a rebeldia em docilidade, refugiei-me na solidão e na escrita, contra as quais, há que dizê-lo, também luto. que espécie de ser não tem lugar sobre a terra? pois eu procuro dizer tudo o que vejo — desejo dizê-lo —, mergulhar nessa repugnância para a desmascarar e desnudar, tal como ela me desnuda a mim. dizer aquilo que ninguém diz, violar o silêncio e erguer-me em plena luz.