31 de março de 2016

tanto sofrimento em troca de tão inútil clarividência. imagem irrealizável, impossível de acender e impossível de apagar; silêncio sem fôlego, contudo, pensante, como uma pacificadora intuição primordial. deve ser isto o inferno, bocas que não emitem som, narizes que não inspiram, mãos que não tocam, olhos que abertos nada vislumbram. que luz íntima não irradia? tanto azul, tanto céu, demasiado céu. por toda a parte ele está, em toda a parte é nele que estou. objetivo e místico, o tempo pertence-lhe por inteiro, como uma bigorna. nenhuma fuga. opaca e rejeitada como uma pequena lasca incómoda, sequer um raio nele desce ao meu encontro. que código regula as extravagâncias da razão? no centro do mundo, nenhuma essência é condenada: que tudo está a nascer significa também que já tudo morreu. nisso reside o pacto com a vida. nem a solidão nem a loucura nem o diabo na sua ambivalência nem a fome em todas as suas vertentes me corromperam e eu caminho sobre as vossas cabeças.