16 de fevereiro de 2016

ombro a ombro
o céu o inferno ocupa
com diálogos
Certos dons do espírito, como a inteligência e a ética ( por exemplo), são áridas, pouco atraentes, insípidas; para o mundo exuberantemente coisificado de hoje, não retém a atenção, muito menos a graça e o sabor do que se entende por 'esprit'. Por isso, precisamos nos corromper: vestir belas e estampadas roupas, vulgares maquiagens, rebuscada língua. Porém, o núcleo nu e cru da persona continua a ser duro e indivisível, como o lamento de um profeta ou a pata do pária. Mas silêncio!, ninguém pode saber.

Luiz Soares Júnior
o que corrompe o amor é de tal forma inúmero que a lealdade dos assassinos direta, cruel e implacável , é imaculada.
a violeta evoca o riso
na catástrofe
o silêncio é loquaz
uma profunda inquietação apodera-se da personagem que, silenciosa, abre os olhos e levanta a cabeça. está adormecida, depois de ter recebido um duro golpe. dirige o olhar para o leitor. chama de volta a falsidade e jura que falará a verdade. a desproporção daquilo que se prepara no suspense e a sua situação real, envolve-a numa espécie de feitiço, estonteante, de que se mantém inteiramente consciente mas vê-se incapaz de resolver o paradoxo. o seu enigma é tão monstruoso que começa a interpretar as palavras de forma incorreta. a perturbação interior transforma-se em ansiedade e a ansiedade em angústia. é impossível ficar indiferente ao seu isolamento. descobre agora todas as omissões propositadas, as incompletudes, a fragmentação, a radicalidade do mutismo mas, pasmada, não consegue sentir cólera pelo que, digamos, de forma tão verdadeira se revela na sua representação. incapaz porém de retornar à sua natureza, mais do que nunca dúbia e incerta, logo a seguir abandona o livro.

15 de fevereiro de 2016

Hydre intime, sans gueules,
qui mine et désole.

Arthur Rimbaud in Comédie de la Soif, maio de 1872.

14 de fevereiro de 2016

Maintenant, je m'encrapule le plus possible. Pourquoi ? Je veux être poète, et je travaille à me rendre Voyant (...).

Arthur Rimbaud, carta a Georges Izambard, Charleville, 13 de maio de 1871.
a diferença entre cuidarmos de nós próprios e o individualismo é saber desprover-se de si em prol de outrem, coisa que não se explica, se pede ou se espera e raramente encontra reciprocidade. nas vidas limitadas e limitantes que levamos, frequentemente mais não sabemos sobre a generosidade do que designar as suas restrições.

12 de fevereiro de 2016

tenho saudades de uma manhã de nevoeiro em que entrei num largo da cidade da Guarda e tudo era feito de pedra.

11 de fevereiro de 2016

6 de fevereiro de 2016

as pessoas que me amam são as pessoas mais extraordinárias do mundo. não porque eu goste de ser amada, embora goste, mas antes porque têm a capacidade de ver para além daquilo que aparentemente é disforme e formado por intrincadas, obscuras arestas. vislumbrar a inocência entre aquilo que é selvagem, a elegância entre o que é grosseiro e a constância entre o que é violento, não é para todos e, por isso, muito as admiro.

1 de fevereiro de 2016

sempre receei que me compreendessem, pois a clareza é ignorada pelo vulgo e destinada ao esquecimento. perante os fogos que se acenderam, tão delicados quanto a mais cruel imparcialidade, se revelou a minha alegria, como um axioma.

30 de janeiro de 2016

a minha inocência
é impelida
pelo fogo

uma força
no sangue
que sofre

e se lembra
afinal com
uma exatidão

súbita
extraordinária
e inútil

da inevitável
severidade
da ironia

como uma
violenta morte
interior
a substância das
coisas que eram
é inútil.
até o molde
em que se transforma
apenas adquire
certa
importância
quando se quebra.

24 de janeiro de 2016

o deserto é tudo menos um vórtice, disse, como se esperasse não ser ouvido. aqui as nuvens não formam constelações de falsas figuras e o frio vazio é invadido pela impressão cósmica de um tóxico perfume a pinhal. teria que esperar que tudo se desfizesse se realmente queria sair do deserto, a areia, o céu azul, as nuvens, o pinhal, e contudo as mãos, impacientes aranhas prestes a devorar a sua presa, em permanência desenham a inelutável, perfeita, linha do horizonte. se desvanecida ou rompida, a sua trama rapidamente era restabelecida, evidentemente com uma certa candura, a coar a luz do céu. assim mantêm até ao fim o seu segredo, tão finamente tecido que o inferno por vezes se confundia. porém, subitamente, quando pousava a cantar no galho de um pinheiro, um pássaro desfazia o equívoco.