The Single Hound
On my volcano grows the grass,—
A meditative spot,
An area for a bird to choose
Would be the general thought.
How red the fire reeks below,
How insecure the sod—
Did I disclose, would populate
With awe my solitude.
Emily Dickinson
16 de novembro de 2015
13 de novembro de 2015
Ki-nam Soo ocupou o lugar número 62 no autocarro e olhou através da janela para o pequeno bosque que começava do outro lado da praça e se estendia por cerca de cinquenta hectares até às margens do lago Changpae, à beira do qual a cidade de Taedong-san começava, prolongando-se depois até à base da montanha Baekdu Cheonji, onde todo o sinal de vida humana terminava totalmente, e também os cheiros, pois estava coberta de neve todo o ano. depois ajeitou as abas do casaco uma sobre a outra e poisou as mãos sobre a barriga, preparando-se definitivamente para a viagem. ao seu lado no banco viajava a nora e, pousado entre ambos, um saco de pano contendo uma caixa com bulgogi, outra menor com kimchi, uma garrafa de bokbunja, um chocolate e duas cartas, uma delas selada há vinte e três anos, a outra escrita há alguns dias atrás, tudo embrulhado em papel vermelho com uma fita de tule amarela. por cima, cuidadosamente atado com fio de algodão, um ramo de rosas Sharon, a flor imortal, símbolo de quem ultrapassa o sofrimento e enfim, no chão, presa entre os pés da nora, uma melancia com 12 quilos. tinha sido dos primeiros a sentar-se e portanto ouvia agora os outros falar ainda entre si, alto e depressa, enquanto arrumavam malas e procuravam ansiosamente o lugar que lhes havia cabido no último sorteio, o primeiro em cinco anos, pois este grupo de 68 sul-coreanos, do qual Ki-nam Soo fazia parte, integrava-se noutro maior, de 398, pertencentes a 96 famílias ao todo que viajariam dentro de minutos até ao norte da Coreia para reencontrar os 141 familiares que, devido à guerra entre o norte e o sul, não viram durante os últimos sessenta anos, ou mais. na lista de espera para o próximo sorteio, que não se sabe quando se voltará a realizar, ficaram mais de 65.000 sul-coreanos. mas Ki-nam Soo agora esqueceu tudo isso. tem um filho. chama-se Lee Dong-im e tinha 9 meses quando o viu pela última vez, agora tem 66. «está vivo», alegra-se Ki-nam Soo desde que soube que tinha sido selecionado, «estou vivo», alegra-se. a viagem leva três horas e a reunião entre as famílias duas. em apenas três horas, irá rever o rosto desse bebé. em poucas horas será isso, um homem adulto. sabe que irá revê-lo pela primeira e pela última vez pois as hipóteses de um reencontro são inexistentes. Ki-nam Soo e Lee Dong-im encontram-se agora pela primeira e pela última vez. um primeiro encontro que é uma despedida.
10 de novembro de 2015
libertar-se do rancor, concluiu, para deixar de viver no passado. não o ia levar para a cova, isso nem pensar, ficar a remoer para quê. a descoberta declarava-se como uma ocasião de questionar o tempo preciso da epifania, da maravilha ao espanto à surpresa. assim é a perda, a desordem, o exílio imutável. não passava de um fugitivo e, de maneira estranha, um filho repugnante da morte. dia após dia, o corpo era a sua única estratégia de retornar à infância, que abandonámos e onde igualmente vivemos.
6 de novembro de 2015
31 de outubro de 2015
Não quero negativar a vibe de ninguém. Só ando desacreditado da vida e
sem a mínima vontade de interagir com o mundo. Tem dias que acordo
pensando em tomar 4 cartelas de remédios ou amarrar uma corda no
pescoço e foda-se. Estou falido. Deprimido. Doente. Diabético e com
suspeita de câncer no reto. Doença que quase matou meu pai tempo desses.
Uma dor desgraçada no cu que lateja e arde o dia inteiro, mas ontem deu
uma melhorada e uma mulher vomitou no meu pé e disse que precisava
de um filho. Que se eu podia dar um filho pra ela. Eu disse que era
estéril. Que a literatura já enchia muito meu saco e que não tinha
cabeça e responsabilidade para cuidar de uma criança. Que tinha um casal
de cães. O Bakunin e a Anais Nin. Então começou a chover e nos
abrigamos embaixo da marquise de uma igreja abandonada e ela não parava
de falar. Acendeu um baseado de pasta de cocaína com maconha e perguntou
o que era literatura e me chamou de gay. Que se eu fosse homem de
verdade treparia com ela ali mesmo. No chão sujo cheirando a baba de
mendigo. Lembrei de uma tia evangélica que acha que homem solteiro com
mais de trinta anos é bicha ou doente mental. Talvez eu seja doente
mental. Quem abandona tudo para fazer literatura é louco. Aí a maluca
tirou a blusa. Os mamilos roxos e inchados. Como se fossem chupados
todos os dias. Eu disse "não precisa disso, gata. Segura a tua onda.
Veste tua blusa." aí ela começou a gritar "você vai me comer! Homem
nenhum faz desfeita da minha boceta" aí começou a dar tapas na barriga. "você vai ter que me comer!" aí acendi meu derby e dei uma golada pesada
na minha garrafa de conhaque e fui caminhando até uma viatura parar e
um soldado perguntar por que não comi a dona. Ele perguntou rindo. O dia
clareando e algo dentro de mim dizendo "não tem como abandonar a
literatura, cara. Mesmo que você queira. É algo mais forte que tudo."
Abro um sorriso e entro na minha rua cheia de urubus revirando lixo.
Diego Moraes, publicado no facebook no dia 23 de outubro às 12:26.
Diego Moraes, publicado no facebook no dia 23 de outubro às 12:26.
29 de outubro de 2015
O crioulo é considerado a língua nacional e é o meio de comunicação entre os diferentes grupos étnicos. O português, declarado língua nacional oficial, é pouco falado e o seu uso encontra-se limitado aos meios oficiais e a um pequeno número de guineenses. O analfabetismo entre os indivíduos com 15 anos e mais, era de 49,8% em 2009, demonstrando assim que metade da população adulta não sabe ler nem escrever.
27 de outubro de 2015
o tratamento não tinha conseguido interromper o rápido processo de morte e o moribundo, embora lúcido, já só os olhos piscava de vez em quando. no momento em que se dirigiu para o hospital, tinha decidido
abandonar-me, pelo menos era essa a minha impressão enquanto o
contemplava agora e percebia que a felicidade tinha uma nitidez assustadora. eram três horas da madrugada de uma noite estrelada muito fria e eu não seria capaz de evitar a catástrofe mas em vez do fim veio a salvação. não serviu de nada.
24 de outubro de 2015
Daqui até à Póvoa de Varzim a povoação mais importante de pescadores é a Lagarteira (Âncora), na segunda reentrância da costa. Deito‑me a pé pela estrada, através do lindo pinheiral do Estado, que, de cismático, me lembra António Nobre, e fico perdido de sonho no Moledo. Em 13 de Agosto de manhã há uma ligeira névoa, um nada, um bafo. São nove horas. O azul entontece. Perco a linha da paisagem, o verde‑escuro do pinheiral que vai até ao mar, e tudo isto se me afigura uma larga concha azul, formada pelo mar azul e pelo céu azul, com uma borda de areal onde alguns velhos moinhos em fila batem as asas para meu encanto. O forte da Senhora da Ínsua fica num extremo, com o monte de Santa Tecla, que saiu agora do mar a escorrer, e no outro extremo da curva, onde a amplidão do azul é infinita, a penedia a desfazer‑se em espuma… Não posso. Por mais que queira não posso arredar‑me daqui, com a cabeça estonteada. Fico. E só ao fim da tarde é que consigo chegar a Âncora, com dois jactos de azul metidos pelos olhos dentro. Logo hoje, até muito tarde, não se apaga do céu um doirado de iluminura, que se prolonga até noite velha e morre com aflição…
Raul Brandão, Os Pescadores.
Raul Brandão, Os Pescadores.
22 de outubro de 2015
21 de outubro de 2015
19 de outubro de 2015
o instante em que a presa é imobilizada é o único que é puro e, por isso, o caçador nunca engole a presa mal a apanha. nela, a carne amolece e abre-se, nele o ímpeto recebe a frágua e leva o rumor. os demónios são expulsos, os inimigos vencidos, não há zelo nem escrúpulo nem privilégio nem honra mas sim silêncio. depois, antes de aplicar o último golpe, quando a presa quebra, também o caçador se imobiliza. aí, e apenas aí, a caça é inalienável.
18 de outubro de 2015
passei por um casal de mendigos a foder na entrada de um prédio. estavam tapados com um saco cama, ela praticamente imóvel, parecia morta, tinha a mão de fora da coberta, suja. ele estava todo lá dentro e os movimentos eram visíveis. passei numa direção e vi isto, voltei a passar na direção oposta e ele já lá não estava. ela continuava imóvel e tapada, mas tinha mudado de posição, deitou-se de barriga para baixo. não dava para perceber se ele iria voltar, o lugar que ocupava anteriormente estava agora a descoberto, mas também nunca dá, não é?
17 de outubro de 2015
15 de outubro de 2015
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