Alguns narradores contam que Medeia, em fuga, não teve possibilidade de
levar consigo os filhos que, perante a negligência de Jasão, foram
apedrejados até à morte pela família de Creonte, como vingança.
Contudo, a versão mais conhecida é ainda mais sombria e deve-se a
Eurípides, na sua tragédia Medeia, apresentada pela primeira vez em 431
a.C.. Aqui, é a própria Medeia quem mata os filhos antes de fugir para
Atenas, não num acesso de loucura, mas num acto de fria e premeditada
vingança em relação ao marido infiel. Eurípides foi, na altura, acusado
de ceder perante um elevado suborno de cidadãos coríntios que preferiam
uma versão onde não fosse o povo daquela cidade a cometer o
infanticídio.
De artigo da Wikipédia completo aqui.
9 de outubro de 2014
Fui ver uma exposição muito estranha, no Museu de São Roque (Visitação, curadoria de Paulo Pires do Vale). Entre
os objetos do espólio da Misericórdia de Lisboa expostos,
encontram-se alguns exemplos de cartas que eram entregues com as
crianças que deixavam na roda. O costume era que a cada criança correspondesse um
identificador, entregue com essas cartas, que funcionasse como prova de
pertença: apenas quem tivesse a outra metade a poderia resgatar. Pelo
menos de acordo com a proporção que é mostrada nas vitrines, a grande
maioria das crianças era entregue com cartas de baralho e cautelas de
lotaria. Quem as entregava fazia um recorte único, transformando-os em peças
de um puzzle. Também há outros exemplos, como cabelo, dados e até uma pequena e
incompreensível escultura em palha. Alguns são bastante
elaborados, e ricos, como é o caso de uma bolsa de seda vermelha bordada
e umas meias de renda branca fina.
Fora da galeria, na igreja de São Roque, estão dois écrãs, cada um com o rosto de uma criança do filme Casa de Lava de Pedro Costa, cuidadosamente escondidos em cada um dos lados do transepto, certamente para não perturbar a oração.
Fora da galeria, na igreja de São Roque, estão dois écrãs, cada um com o rosto de uma criança do filme Casa de Lava de Pedro Costa, cuidadosamente escondidos em cada um dos lados do transepto, certamente para não perturbar a oração.
[Em
Portugal] a surdez profissional é hoje a primeira na tabela das doenças
de trabalho e os números absolutos não parecem cessar de aumentar.
(...). No Canadá, os estudos sobre som tiveram uma influência directa na
criação de um novo tipo de legislação anti-ruído, mais eficaz, que tem
em conta a natureza específica da escuta. Em França, a dimensão sonora
do ambiente faz parte dos currículos escolares e é uma valência
importante em áreas como a dos estudos artísticos ou a arquitectura, por
exemplo. (...). No Japão, há mais de quatrocentas associações que se
dedicam ao estudo e preservação do património sonoro. Imagine-se um
grupo de cidadãos mobilizado em torno da preservação do simples som de
uma fonte ou de uma ponte de bambu.
Carlos Alberto Augusto, Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa.
Carlos Alberto Augusto, Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa.
7 de outubro de 2014
6 de outubro de 2014
Há sempre uma outra história dentro de uma história. É o caráter do que está separado. Defender a solidão em que se está parece ser a única possibilidade de resgatar univocidade ao que nasceu equívoco. Procuro a agulha perdida entre a palha no chão. Temos de ocupar o tempo com alguma coisa. Quando me sinto demasiado perdida procuro recordar que não é tão importante o que me aconteceu como o que vou fazer com o que me aconteceu. Procuro recordar que a palavra mais importante dessa sentença é a palavra fazer. E então a verdade perde substância. Porque não existe. Atravesso a distância entre o perto e o longe deixando para trás a colisão abrupta das minhas ilusões. O destino dos espetros é serem espetros. Eu, estou aqui.
5 de outubro de 2014
3 de outubro de 2014
Percebo agora que todo o processo de metamorfose consiste, talvez inteiramente, em decadência e deterioração. Não tenho linguagem que me permita descrever o que acontece no núcleo desta transformação. Parece-me idêntico dizer que se trata de um processo terrivelmente violento ou que se assemelha à graciosidade da flor que abre. Toda a regeneração é uma metonímia da morte. O extraordinário está em que a medida da transformação excede a nossa resiliência (e portanto a nossa expetativa) face aos acontecimentos: a transformação tem a medida da evidência. E o princípio da evidência é aniquilar. O futuro oferece-se sempre com opulência mas no absurdo espetro das suas possibilidades, qualquer movimento em direção a ele parece ridículo. A intensidade erótica da metamorfose desaparece, deixando subitamente no seu lugar um ideal romântico de liberdade. Face à ruína, porém, os ideais não portam mistério. Perante a opacidade de um futuro intrincado, a defraudada armadilha do prazer colapsa e nós somos o seu colapso. Se eu já não amo, que paisagem é esta?, pergunta-se, e a imaginação conduz inexoravelmente ao retiro, que apenas mostra a escuridão de onde viemos e um destino abrupto.
Sou austeramente selvagem. Vou perseverando numa atmosfera composta de distâncias sem enigma. Entro como um vulto em casas prontas para serem deixadas porque há no abandono qualquer coisa infinitamente apaziguadora. Pressinto nelas o eco de lembranças que não tenho. Sou apaixonada por essas casas vazias, que flutuam abertas para lá da memória. Elas são o exótico altar da minha infância pois a infância é uma fórmula imaterial, uma fonte geométrica enterrada na revelação genuína. Sou uma mulher e sei que sou essa mulher mais do que sei quem sou. É uma questão de sobrevivência: a linguagem da perdição tem implicações que estão sempre a ser negociadas. Às vezes penso que se estava melhor no cativeiro mas a fatalidade impregna-o de tal maneira que me repugna regressar. Aporto a um voluptuoso silêncio. Não posso afirmar que seja límpido. A minha satisfação está em vê-lo adensar-se e expandir-se. Imperfeitamente.
Sou austeramente selvagem. Vou perseverando numa atmosfera composta de distâncias sem enigma. Entro como um vulto em casas prontas para serem deixadas porque há no abandono qualquer coisa infinitamente apaziguadora. Pressinto nelas o eco de lembranças que não tenho. Sou apaixonada por essas casas vazias, que flutuam abertas para lá da memória. Elas são o exótico altar da minha infância pois a infância é uma fórmula imaterial, uma fonte geométrica enterrada na revelação genuína. Sou uma mulher e sei que sou essa mulher mais do que sei quem sou. É uma questão de sobrevivência: a linguagem da perdição tem implicações que estão sempre a ser negociadas. Às vezes penso que se estava melhor no cativeiro mas a fatalidade impregna-o de tal maneira que me repugna regressar. Aporto a um voluptuoso silêncio. Não posso afirmar que seja límpido. A minha satisfação está em vê-lo adensar-se e expandir-se. Imperfeitamente.
1 de outubro de 2014
na boca silenciosa das mães nasce o sono e o medo de não voltar a acordar. se os filhos falam durante a noite é porque toda a noite as chamam. querem que a mãe lhes explique porque é que estão a cair. querem saber porque é que ela os deixou cair e porque é que o amor não chega para amparar a queda. portanto o amor passa a confundir-se com a desilusão, que nunca é magna o suficiente para alvitrar o desencantamento. então as mães transformam-se na pura noite onde os filhos continuam a chamar. e os filhos regressam para ficar universalmente imóveis à boca delas, a escutar.
Não entendo o desejo que muita gente tem de melhorar o mundo. Absolutamente nada neste mundo salva a vida, muito menos nada que tenha origem no esforço e na vontade humanos. Navegamos num oceano lúdico cujos movimentos e resultado não podemos prever nem controlar. Mas enfim, até os filmes do Ford acabam bem. La vie est une vaste rigolade, e daqui não se passa.
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