Emily Dickinson |
1 de junho de 2016
31 de maio de 2016
30 de maio de 2016
Eu, naquele inverno, estava tomado de furores abstratos. Não direi
quais, não é isso que me proponho a contar. Mas é preciso dizer que eram
abstratos, nada heróicos, nem vivos; de qualquer maneira, furores pelo
gênero humano perdido. Vinha assim há muito tempo, e andava cabisbaixo.
Via manchetes nos jornais sensacionalistas e abaixava a cabeça; estava
com os amigos, uma hora, duas horas, e ficava com eles sem abrir a boca;
abaixava a cabeça; e tinha uma moça ou uma mulher que
me esperava, mas nem com ela eu trocava uma palavra, mesmo com ela eu
abaixava a cabeça. Chovia o tempo todo, passavam-se os dias, os meses, e
eu tinha os sapatos furados, a água me entrando nos sapatos, e não era
mais nada que isso: chuva, carnificinas nas manchetes dos jornais, e
água nos meus sapatos furados, amigos mudos, a vida em mim como um sonho
surdo, e não-esperança, calmaria.
Isso era terrível: a calmaria na não-esperança. Dar o gênero humano como perdido e não ter vontade de fazer coisa alguma quanto a isso, nem vontade de me perder, por exemplo, com ele. Eu estava perturbado por furores abstratos, não no sangue, e ficava quieto, sem vontade de nada.
Elio Vittorini
Isso era terrível: a calmaria na não-esperança. Dar o gênero humano como perdido e não ter vontade de fazer coisa alguma quanto a isso, nem vontade de me perder, por exemplo, com ele. Eu estava perturbado por furores abstratos, não no sangue, e ficava quieto, sem vontade de nada.
Elio Vittorini
29 de maio de 2016
26 de maio de 2016
era um corpo estrangeiro
que incomodava.
eu deveria dizer
«não lhe toquem, deixem-no»
mas todos o tinham deixado.
qualquer coisa o impedia
de perdurar como uma bela memória
da infância
pois era cómico
e implorava viver.
usava palavras
cuja origem garantia
a beleza, a graça e a elegância
como as de uma mãe
no quarto da criança.
mas o som chegava
sempre um pouco mais tarde
como um objeto do outro lado
de um longo fio
atado ao dedo.
as mãos — há que dizê-lo —
as mãos mexiam-se sem propósito
e sem impaciência,
ficando presas nas palavras
como numa teia.
e então, o que poderiam fazer?
a foice sibila
soa um tinir de sinos
alguém canta
labaredas crepitam
por isso o corpo gritou
num tom cavernoso
imerso na sombra
e ergueu-se
muito simplesmente.
que incomodava.
eu deveria dizer
«não lhe toquem, deixem-no»
mas todos o tinham deixado.
qualquer coisa o impedia
de perdurar como uma bela memória
da infância
pois era cómico
e implorava viver.
usava palavras
cuja origem garantia
a beleza, a graça e a elegância
como as de uma mãe
no quarto da criança.
mas o som chegava
sempre um pouco mais tarde
como um objeto do outro lado
de um longo fio
atado ao dedo.
as mãos — há que dizê-lo —
as mãos mexiam-se sem propósito
e sem impaciência,
ficando presas nas palavras
como numa teia.
e então, o que poderiam fazer?
a foice sibila
soa um tinir de sinos
alguém canta
labaredas crepitam
por isso o corpo gritou
num tom cavernoso
imerso na sombra
e ergueu-se
muito simplesmente.
25 de maio de 2016
Eva caminha
sobre o cimento líquido do Éden.
tem o corpo de uma mulher assassinada.
deita fogo aos juncos
e esfarela o pão azedo
mesmo sem a energia para o fazer
como qualquer sobrevivente
— e Eva é
intrinsecamente
uma sobrevivente.
um sentimento indigno
apodera-se dela.
quer dizer alguma coisa
sobre isso
e não consegue.
sem olhar para trás,
mas em cólera,
pensa
«a noite cai depressa»
enquanto arranca uma flor amarela.
cabisbaixo,
Adão caminha uns passos atrás,
vê os juncos queimados
o pão esfarelado
a noite opressora
e a flor amarela no chão,
mas neste momento, Adão e Eva são invisíveis.
a imprudência
não os conduziu ainda
nem ao desespero
nem ao otimismo.
passam sobre o cimento líquido como um zumbido
com certa incredulidade
e abrem a porta.
sobre o cimento líquido do Éden.
tem o corpo de uma mulher assassinada.
deita fogo aos juncos
e esfarela o pão azedo
mesmo sem a energia para o fazer
como qualquer sobrevivente
— e Eva é
intrinsecamente
uma sobrevivente.
um sentimento indigno
apodera-se dela.
quer dizer alguma coisa
sobre isso
e não consegue.
sem olhar para trás,
mas em cólera,
pensa
«a noite cai depressa»
enquanto arranca uma flor amarela.
cabisbaixo,
Adão caminha uns passos atrás,
vê os juncos queimados
o pão esfarelado
a noite opressora
e a flor amarela no chão,
mas neste momento, Adão e Eva são invisíveis.
a imprudência
não os conduziu ainda
nem ao desespero
nem ao otimismo.
passam sobre o cimento líquido como um zumbido
com certa incredulidade
e abrem a porta.
23 de maio de 2016
Minha arte de magia num mundo sem magia
é a arte da nostalgia original
Perigosa é a canção das sereias
como noutros tempos
Noutros tempos havia mensageiros
reis e loucos
Sonhava-se muito
Eles estavam no incomensurável
e viviam no não ser
O seu nome não se pronunciava
mas o poder deles trazia plenitude às almas
e as pessoas achavam tudo natural
Carlos Edmundo de Ory, in Doze Nós Numa Corda, Poemas mudados para português por Herberto Helder.
é a arte da nostalgia original
Perigosa é a canção das sereias
como noutros tempos
Noutros tempos havia mensageiros
reis e loucos
Sonhava-se muito
Eles estavam no incomensurável
e viviam no não ser
O seu nome não se pronunciava
mas o poder deles trazia plenitude às almas
e as pessoas achavam tudo natural
Carlos Edmundo de Ory, in Doze Nós Numa Corda, Poemas mudados para português por Herberto Helder.
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