25 de maio de 2016

Eva caminha
sobre o cimento líquido do Éden.
tem o corpo de uma mulher assassinada.
deita fogo aos juncos 
e esfarela o pão azedo
mesmo sem a energia para o fazer
como qualquer sobrevivente
       — e Eva é
intrinsecamente
uma sobrevivente.
um sentimento indigno
apodera-se dela.
quer dizer alguma coisa
sobre isso
e não consegue.
sem olhar para trás,
mas em cólera,
pensa
«a noite cai depressa»
enquanto arranca uma flor amarela.
cabisbaixo,
Adão caminha uns passos atrás,
vê os juncos queimados
o pão esfarelado
a noite opressora
e a flor amarela no chão,
mas neste momento, Adão e Eva são invisíveis.
a imprudência
não os conduziu ainda
nem ao desespero
nem ao otimismo.
passam sobre o cimento líquido como um zumbido
com certa incredulidade
e abrem a porta.