7 de janeiro de 2025

outra coincidência dos últimos tempos: revi O SOM DO NEVOEIRO e duas vezes, a primeira porque o A. conseguiu um torrent, a segunda na cinemateca. pelo meio, ficou também disponível no filmin. no dia em que descarreguei o filme, revi finalmente a cena em que ele lhe toca nas mãos e ela se entrega, deixa-se cair no abraço ardente dele e a fusão dá lugar ao nevoeiro (cuidadosamente, mantendo os limites da conveniência, ele toca-lhe na mão e depois fica quieto, é ela que não só lhe devolve o gesto, como o intensifica). depois, este fim-de-semana, vi o ALL WE IMAGINE AS LIGHT e encontrei praticamente a mesma série de fotogramas, mas no sentido inverso. parecem ser os fotogramas correspondentes à mesma realidade em duas dimensões opostas, e em que esta seria uma dimensão paralela a coexistir com a outra mas sombria, um lugar de rutura, de inconsistência, cataclismos, que pode engolir-nos, e de onde temos de nos salvar pela dureza e pela violência. uma espécie de espelho negro, como no Stranger Things: o fantasma do marido dela — o marido que já só existe na imaginação dela — pega-lhe na mão e beija-a apaixonadamente, deslizando pouco a pouco para o pulso e finalmente para o braço. ela recebe os beijos e quebra, desfaz-se a chorar. mas, quase impercetivelmente, o olhar transforma-se. a espera infindável materializada na imaginação passa a corte. vemos instalar-se uma fissura. o casal desaparece subitamente substituído pela paisagem noturna do lugar onde ela está, o mar ao fundo. ouvimo-la dizer: Stop. I don’t want to see you. Ever again.