Tenho dois livros da Adília: o Pardais e o Dias e Dias. O Pardais é para oferecer. É o livro que mais ofereci. Um amigo a quem o ofereci começou a lê-lo aos sobrinhos à noite, para adormecer, e os sobrinhos passaram a pedir-lhe sempre que lesse esse. O Dias e Dias foi o A. que me ofereceu. É um livro com o seu nome, o que me alegra, um pequeno livro que nos acontece de forma irrevogável, luminosa, límpida.
Os outros livros da Adília li-os por aí. Apanhei um em casa de uma amiga, numa temporada que lá passei nas férias de verão. Levava outros livros na mala, mas não lhes peguei. Era o Bandolim. Achei que esse livro me tinha encontrado como um estranho naquelas férias. Era o meu amor de verão e deixei-o entrar, liguei-me a ele com uma ternura sem condições e despedi-me dele no mesmo sítio onde o encontrei, deixando-o pousado em cima da mesa da sala. Pareceu-me rodeado de flores. Mas era só a minha imaginação. Li o Estar em casa na Biblioteca do Camões. Fui lá à procura de qualquer coisa que não podia ou não queria comprar e encontrei-o largado numa mesa. Tinha saído há pouco tempo e, apesar de já ter passado por ele, ainda não lhe tinha pegado. Andava à espreita do momento certo. Larguei o que estava a fazer e sentei-me numa mesa ao sol. Não vou com frequência a bibliotecas, mas é assim que as bibliotecas se tornam lugares imprescindíveis. Somos engolidos, pelo livro, pelo sol, pela noite.
Às vezes, sobretudo na feira do livro, sinto-me tentada a comprar livros dela, mas desisto sempre. Olho para eles, pego neles, folheio, leio um poema ou dois, e abandono-os nas estantes e nas prateleiras numa espécie de recusa. O único livro que quero ter da Adília é o livro que o A. me ofereceu. Não porque seja o melhor, seria incapaz de eleger um. Porque são as coisas que não podem ser ditas que nos ligam. A partilha de uma simplicidade com que vemos o mundo, de gestos de carinho, da alegria entre os outros. Da sujidade da sombra, também, sem a qual nada é claro. Uma respiração. Não se pode possuir esta poesia e, se se pode, não a quero possuir. A poesia da Adília são as pessoas com quem me cruzo na rua, a quem procuro tratar com bondade. Como é a minha dor e as minhas mágoas, com que procuro ser generosa.