Quando era pequena sentia-me orgulhosa porque a Justiça era representada como uma mulher. Havia tantos homens em todo o lado, mas a Justiça, que segura a balança e a espada — uma para equilibrar, outra para cortar — era feminina. Este orgulho confortava-me e nutri-o durante muito tempo, quando pensava na ideia de Justiça, quando passava à frente de uma destas estátuas, quando lia sobre mitologia. É muito difícil ser justo. A Justiça, quando era representada pelos gregos, tinha os olhos abertos, para poder ver tudo, todos os pormenores. Quando, mais tarde, os romanos a quiseram representar, vendaram-na. Lembro-me de ter um sentimento muito estranho quando vi uma estátua dessas pela primeira vez. Creio que se chama impotência. Apressei-me a perguntar pela razão e explicaram-me que a venda se destinava a garantir que todos são tratados por igual, sem distinção. Achei isso muito lindo. Desejei que fosse verdade e achei que a Justiça de olhos abertos não via nada. Levou-me a pensar que a imparcialidade era difícil e que, se lhe tinham colocado uma venda, era porque a Justiça era frágil, até a Justiça podia falhar. Fiquei muito triste, eu que a via de forma majestosa nestas estátuas como um ser tão poderoso, afinal talvez fosse por isso que a tivessem representado como uma mulher. Passei a vê-la como um ser alegórico, uma parábola: desejamos a sua perfeição, procuramo-la, mas ela não está ao nosso alcance. Quando já estava na escola primária, contaram-me sobre Salomão. Salomão foi um rei de Israel a quem deus deu tudo por este, num sonho, lhe ter pedido sabedoria para governar o seu povo. Durante o seu longo reinado foi visitado por representantes de todos os povos por tratar a todos por igual e por saber aplicar a Justiça e usufruiu de poder, inteligência, riqueza, glória, honra e uma vida longa. Um dia, duas prostitutas vieram ter com ele afirmando serem as duas mães de um bebé. Criando um ardil, Salomão mandou cortar o bebé em dois para que cada mãe recebesse metade e, logo, a verdadeira mãe implorou para que a criança fosse entregue à impostora. A história impressionou-me como a história do escorpião e da tartaruga me impressionava, mas esta, em lugar de me excitar, deixou-me um sabor de desalento. Não conhecia ninguém capaz de encontrar a verdade assim. Por outro lado, que teria acontecido à mãe que desejava um filho e não o tinha? Teria ele ameaçado matar o bebé se se tratasse de mulheres nobres? Também me perguntava se ele teria sido realmente capaz de cortar o bebé ao meio para encontrar a verdadeira mãe, o que teria feito caso o ardil não funcionasse. Questionava-me, obviamente, sobre a validade dos métodos. Ovídio diz que os fins justificam os meios, que resultados perfeitos podem ser fruto de ações imperfeitas. Infelizmente, estou totalmente de acordo.