14 de abril de 2020

No meio disto tudo, há quem tenha visões tão otimistas sobre o nosso futuro próximo que me pergunto o que há de errado comigo. Um amigo com quem falei recentemente, vê as rendas e o turismo a baixar. Parece-me uma visão maravilhosa. No final de um artigo extremamente crítico dos líderes políticos na Índia, a Arundhati Roy consegue imaginar — nas condições em que nos encontramos, que tendem a piorar, pelo menos do ponto de vista político, social e económico —, que conseguiremos lutar pela construção de um novo mundo (artigo aqui). O próprio Byung-Chul Han acaba um artigo devastador sobre o capitalismo de vigilância em que vivemos com um parágrafo que mais parece um salto sobre o vazio: "O vírus não vencerá o capitalismo. A revolução viral não chegará a ocorrer. Nenhum vírus é capaz de fazer a revolução. O vírus nos isola e individualiza. Não gera nenhum sentimento coletivo forte. De alguma maneira, cada um se preocupa somente por sua própria sobrevivência. A solidariedade que consiste em guardar distâncias mútuas não é uma solidariedade que permite sonhar com uma sociedade diferente, mais pacífica, mais justa. Não podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos NÓS, PESSOAS dotadas de RAZÃO, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta." (Sublinhados meus, aqui está o artigo). Desde quando é que a racionalidade contribuiu para gerar a união coletiva? O que me está vedado compreender é o que é que indica que o mundo poderá melhorar radicalmente por causa do vírus. O que é que indica que as mentalidades vão mudar de tal forma a ponto de salvar o planeta ou contribuir para um mundo mais justo do ponto de vista social. Em que é que as pessoas se baseiam para defender que o vírus transformou o humano. Temos a sensação de estarmos a viver o tempo mais importante da nossa vida. Mas a verdade é que as escolhas que estamos a fazer são perigosas e altamente questionáveis. Por causa do contágio, suspendeu-se de forma pacífica precisamente aquilo que nos torna humanos: a afetividade. Por isso não vejo que, como alguns defendem, o vírus nos tenha tornado mais conscientes das desigualdades ou tenha agido sobre o consumismo, a nível dos bens, do tempo e da interioridade. Pelo contrário. O vírus enfraqueceu-nos. As nossas vidas vão ficar indelevelmente marcadas pelo distanciamento social, que as autoridades não se cansam de anunciar nos telejornais que é para ser mantido.