8 de julho de 2019
quando era pequena, adoeci algumas vezes com febres graves em consequência de mudanças radicais. uma delas, recordo, todavia não sem embaraço, deu-se quando mudei a primeira vez de escola, do Colégio onde estava desde os 3 anos, para a escola pública. fiquei doente logo no primeiro dia, passado apenas umas horas de aulas e apresentações, tendo chegado a casa já fraca e com delírios, para grande aflição da minha mãe. na escola, diante das risadas dos meus colegas, tinha ficado levantada à espera que os professores entrassem na sala e se sentassem e tinha falado em inglês com a professora perante o escárnio da turma. o meu pudor era estranho pois, no Colégio, o que eu queria era ser a primeira a responder bem a tudo e ter as melhores notas. nunca quis ir para a escola pública nem nunca deixei de querer, era uma inevitabilidade, dado que no Colégio o ensino não ia até ao 12º ano. fora dos muros que eu conhecia, contudo, o mundo era demasiado grande e grotesco, um prolongado logro pontuado por respiradouros aqui e ali. habitado por interditos e pela possibilidade de os romper, o Colégio contrastava com um ambiente onde nada era exigido nem proibido e onde a minha identidade se lavrou muitas vezes através de provocações. depois disso, as febres voltaram ainda algumas vezes, mas nunca mais de forma tão violenta. com os solavancos, criei defesas ainda que a minha vulnerabilidade sempre soubesse não estar totalmente protegida. limpa e certeira, a desilusão está sempre mais perto do que o espanto.