21 de novembro de 2017

eu devia ter sido cantora. penso nisto sempre que oiço música do século XVII para trás (a esticar para poder incluir Bach e Purcell), embora não perceba nada de música. ainda tive umas aulas no Colégio, onde aprendi a ler uma pauta, tocar flauta e uma série de instrumentos de percussão e onde integrei um coro de vozes femininas. cantávamos em todos os naipes, apenas ao som do piano ou, como tantas vezes me calhou, a capela, na missa. os instrumentos estavam reservados às aulas de música e, pelo menos nos anos em que dele fiz parte, não entravam no coro. é possível que a minha breve participação neste coro, contudo, tenha vindo a definir, com maior relevo que aquele que conscientemente lhe atribuo, as minhas preferências musicais. sou ferozmente atraída para uma música de expressão arcaica, que se entremeia com a natureza e com o que há de mais arraigado em nós. nisso, sou coerente até pela escolha de música pop/rock que mais tarde vim a ouvir, onde encontrei muitas vezes ecos do género erudito e do folclórico. o jogo do tempo na música é simultaneamente físico e emocional: vem do interior do corpo, dos nossos ritmos de vida e pertence-nos tanto quanto não nos pertence, trazendo-nos por vezes uma parte de nós que nos falta, como o silêncio.