18 de agosto de 2017
sempre sonhei muito com bebés, não só na idade adulta, portanto. em pequena era recorrente um sonho em que estava em alto mar, de onde emergia um monstro gigante, e eu tinha de salvar a minha irmã, o bebé, mas não sabia nadar. na idade adulta os temas diversificaram-se: estou grávida a descer uma ladeira dentro de um carro que perde os travões, estou rodeada de bebés sem saber porquê mas com um missão ou com deleite, tenho um bebé invisível nos braços, alguém me oferece apressadamente um bebé que me sinto relutante em aceitar, bebés que mato em série ou bebés que tenho de resgatar a um assassino ou a um perigo qualquer. por vezes quero acordar, por vezes, quando acordo, quero voltar a adormecer. um dia, fui ver que significado tinham estes sonhos. no livro dizia que estão relacionados com a criatividade, com a necessidade de resolver um dilema. perante os sonhos, contudo, intensos e cheios de pormenores, esta parca explicação deixou a desejar. a criatividade é uma coisa lata e, para quem escreve, todos os dias há um dilema a resolver. esta noite, por curiosidade, era o próprio sonho que me apresentava um dilema. fiquei aflita quando acordei sem o ter resolvido e estava estranhamente serena quando, depois de ter conseguido adormecer novamente, acordei uma vez encontrada a solução. não tenho apetência para fazer análises psicanalíticas, pelo contrário. penso que os sonhos são países de onde nenhum viajante regressa, sinais de possibilidades marcados pela catástrofe, através da qual se ligam à vigília. pode-se despertar para uma vida nova depois de um sonho. a sua relação com a natureza resiste à imaginação, à hipótese, à prescrição. os seus labirintos intermináveis, a sua lentidão mole, a sua densidade dramática, quem pode dizer se nos pertence ou se existe à tona do mundo, onde vamos colhê-los ao acaso? certo é que, seja de que maneira for, há sonhos que ficam connosco, que deixam uma marca, como é o caso, por exemplo, dos sonhos que parecem mais reais do que a vigília. sonhos em que somos chamados, que se erguem como uma montanha e nos engolem, a que não podemos ficar indiferentes. há no entanto algo que todos partilham: por muito que queiramos saber o seu significado, nada revelam para lá do desejo.