19 de junho de 2017

uma anomalia no fluxo de pensamentos fê-lo levantar-se. era tarde, a lua brilhava sobre o soalho. caminhou até à soleira da porta, o silêncio próspero da noite trouxe-lhe o alívio de que precisava para esquecer o pavor que o tinha impedido de adormecer e avançou pelos corredores da casa às escuras, onde todos os quartos estavam vazios. olhando para a sua mão esquerda, viu como prolongava o pulso. era escura, avermelhada, azul e negra, sobretudo negra. levantou a cabeça e as pálpebras em direção à cama. fosse o que fosse em que pensava há momentos, parecia ter-se tornado impenetrável. no entanto, precisava de saber a verdade. voltou a deitar-se e fechou os olhos, crendo que isso o ajudaria a lembrar. os pensamentos, confusos, eram trémulos como uma boca, incertos como a orla de uma labareda, informulados como um lento apelo; as palavras vinham em fragmentos, como marcas num deserto ventoso. cosendo uns e outros, chegou à conclusão que uma dinâmica subtil lhe tinha revelado a alegria divina. era uma montanha em movimento num hiato vazio, a força que a percorria era tal que se mostrava indizível. desejou regressar à sua inércia e à sua lucidez, mas a visão vibrava incessantemente. era uma fonte de vertigem atravessada por sinais da vida, ao mesmo tempo banal e inexpugnável. como transpô-la? reparou no horizonte cerrado da montanha, nas suas cores avermelhadas, azuis e negras. com uma respiração infantil, o seu corpo tinha chegado ao lugar mais limpo da noite, como se fosse preciso adormecer onde o olvido e o segredo quase dizem um nome.