25 de junho de 2017

muito ao longe, vi a contra-luz um perfil que se destacava na praia e fiquei hipnotizada por ele. uma mulher de grande estatura, vestido e chapéu, abraçava nitidamente apaixonada um homem, que lhe retribuía a atenção. duas crianças brincavam sentadas na areia aos seus pés, tranquilamente ignoradas. ao vulto da mulher, chamei imediatamente Virginia Woolf. era muito magra, o vestido comprido e o chapéu pareciam vindos de outro século, tinha um nariz proeminente e era extraordinariamente alta. ao longe, parecia uma marioneta a quem alguém ia imprimindo os movimentos. com aqueles membros esqueléticos, o nariz tão destacado, os pequenos tufos de cabelo saindo do chapéu, alta como uma torre e vestida apesar do calor intenso, era muito feia. fiquei a observá-la toda a tarde, imaginando divertida que uma das minhas escritoras preferidas tinha uma sósia viva. sonhei com os campos de onde vinham, o countryside inglês, onde ela usaria vestidos às flores e chapéus com fitas de cetim e levaria uma cesta para o mercado. como se estivessem numa ilha deserta, a ternura que manifestava através de abraços, segredos ao ouvido, beijos, contrastava enormemente com aquilo que se via na praia entre outros casais e, durante essa tarde, impressionou-me sobretudo a pouca atenção que ela dava às duas crianças. existia levemente, como se não tivesse uma preocupação no mundo senão a de amar. foi isso que me enfeitiçou.