24 de junho de 2017
«Em Lisboa nunca até hoje houve noites quentes como estas, saía-se
sempre com um casaquinho», ouvi no outro dia a uma amiga. e que pena
tive dos lisboetas! eu que recordo os longos estios em que a cidade toda
saía à noite para passear no jardim e na avenida que o contorna, em
mangas cavas e alças. comiam-se gelados, as crianças corriam
escondendo-se nos arbustos, o café que tinha a esplanada debaixo de uma
videira carregada de uvas brancas estava cheio. as velhas sentavam-se em
bancos à porta de casa e ficavam a conversar até tarde. depois, a minha
avó estendia colchões de praia para toda a família na varanda e aí
dormíamos, embalados pelas cigarras e pelo som do vento no trigo. esse
calor colou-se a todos os que o viveram e, com frequência, o recordamos
em conversas triviais. o ar mole dessas noites que, ao contrário,
desapareceram da cidade onde nasci, no interior do país, era a imagem da
felicidade. hoje as noites são desertas. ninguém passeia, ninguém se
encontra nos cafés, ninguém conversa até altas horas, as crianças ficam
fechadas em casa a ver televisão ou a jogar tablet. como seria Lisboa há
40 anos? convenço-me, sem apelo nem agravo, que esta cidade nunca será
minha. o meu coração, que tanto a deseja desde criança, sempre tendeu
para amores impossíveis.